quinta-feira, dezembro 20, 2007

Have yourself a merry little Christmas

De mochila às costas parto amanhã para a Argélia para mais um Natal nas areias do Sahara. O destino é a região de Tadrart, perto de Djanet, uma zona de falésias esculpidas pelo vento, areias avermelhadas, banhadas pelo Sol e pela luz da Lua que vai estar cheia.
Não estando perto do blog no Natal deixo os melhores votos de boas festas, um super 2008 e a lindíssima interpretação que Katie Melua faz do clássico de Judy Garland: Have yourself a merry little Christmas.




Have yourself a merry little Christmas
Let your heart be light
From now on
your troubles will be out of sight

Have yourself a merry little Christmas
Make the Yuletide gay
From now on
your troubles will be miles away

Here we are as in olden days
Happy golden days of yore.
Faithful friends who are dear to us
They gather near to us, once more

Through the years we all will be together
If the fates allow
Hang a shining star upon the highest bough
And have yourself a merry little Christmas now




(Faithful friends who are dear to us
They gather near to us, once more

Through the years we all will be together
If the fates allow
But 'til then we'll have to muddle through, somehow

And have yourself a merry little Christmas now)

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Nas gargantas do Manambolo

No último dia o rio transforma-se: o leito estreita-se, as margens arenosas cedem lugar às gargantas rochosas, paredes ocre ou cinza que se elevam a muitos metros.
Pendurados nas falésias, em posições impossíveis, surgem os primeiros embondeiros. Aqui e ali pequenas cavidades escavadas na rocha, em sítios que nos parecem inacessíveis, albergam túmulos antigos.

Os pássaros desapareceram. Aqui é o reino dos crocodilos, que impedem o nosso já habitual banho nas águas vermelhas do Manambolo.
Reina o silêncio, cortado apenas pelo murmúrio das pagaias a rasgar a água.

Não sem nostalgia aproximamo-nos de Bekopaka, a primeira povoação desde a nossa partida, cinco dias atrás.
Os tsingy de Bemaraha, uma das razões fortes para o meu regresso a Madagáscar, estão apenas a uma noite de distância.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Dr. Jekyll e Mr. Hide

Por último, os homens. Poucos, que a maior parte está à pesca, no rio, ou a trabalhar em alguma cidade distante. Seja qual for a hora, chegam com um sorriso no rosto e uma garrafa na mão. Um líquido turvo, rum caseiro ou "cerveja" de palmeira, que nos convidam a provar. Sentam-se com os nossos remadores, a conversa flui, como o álcool, riem alto e animados.

Ao vê-los juntos, tão entusiasmados, até custa a acreditar no que Sarindra nos conta. Na chegada a Bekopaka, final da nossa viagem, depois de receberem o pagamento pela descida do rio, os remadores gastam uma boa parte do dinheiro a comprar o que na aldeia não há: mantimentos, sabão, tecidos,...
E o que fazem os simpáticos aldeões com quem, uns dias antes, confraternizaram tão amistosamente? Pilham os remadores, roubam quase metade da carga que transportam!
E, uns dias mais tarde, na próxima descida com turistas, lá vêm de novo, sorriso no rosto, garrafa na mão, para uma alegre cavaqueira...

domingo, dezembro 02, 2007

As mulheres malgaxes

Depois das crianças chegam as mulheres. São jovens, na sua maioria, e trazem consigo mais crianças. Uma à ilharga ou ao colo, outra pela mão, além dos mais cresciditos que chegaram no pelotão da frente. Conversam, riem, põe-se ao corrente das novidades das aldeias a montante, pedem para transmitir um recado a jusante.

Outras, mais velhas, olham-nos sem uma palavra, um olhar que a dureza da vida encheu de indiferença e desalento.
Aproveitam todos os nossos desperdícios, em que pegam religiosamente como se de peças de porcelana fina se tratassem: uma garrafa de plástico para encher com a água que todos os dias é preciso ir buscar, o frasco de doce, vazio, como a garrafa, precioso para fazer a vez de um copo ou tijela, para guardar sementes.
Partem como chegaram, afastando-se, discretas, conversando umas com as outras até que as suas lambas coloridas desaparecem por entre a vegetação que separa a aldeia da margem.

domingo, novembro 18, 2007

As crianças malgaxes

A nossa chegada a uma margem desvia as aldeais da dureza das lides diárias: somos uma atracção. As crianças surgem em primeiro lugar. Muitas! Doenças, problemas de nutrição ou acidentes, que aqui envolvem afogamentos ou ataques de crocodilos, matam quatro das sete que em média as mulheres malgaxes têm. As que sobrevivem, pelo menos as destas zonas afastadas dos centros urbanos, têm um comportamento exemplar.

Somos recebidos com alegria, olham-nos com atenção, riem entusiasmados com as suas imagens nas máquinas digitais mas, passados os primeiros minutos de excitação, sentam-se perto de nós. E como são sossegados! Dê-se uma bolacha a uma das crianças e, em vez de a vermos afastar-se para comer o seu troféu longe dos outros, assiste-se ao repartir da pequena guloseima por todos, que esperam pacientemente a sua vez. Brincam sem gritos, sem disparates, sem que seja preciso que alguém mais velho os impeça de fazer algo que possa representar um perigo. Os mais velhos, muitas vezes com os seus 5 ou 6 anos, ocupam-se dos mais pequenos com um cuidado e desvelo impressionantes.

domingo, novembro 04, 2007

Gasys versus vazahas

Bem que insistimos mas não, a equipa de remadores não nos quis fazer companhia nas refeições. Querem comer à parte, poder falar e rir à vontade, comer sem os bons modos dos vazahas! (Bons modos, nós?!) E a comida dos vazahas não presta!

O que come, então, um malgaxe? Arroz! Sempre e muito, muito!
Pequeno-almoço, um alguidar, sim um alguidar!, cheio de uma argamassa de arroz-colante comido à mão. Almoço e jantar, uma porção igualmente generosa de arroz com folhas de mandioca, legumes ou molho. O arroz é o prato principal, a carne ou o peixe são apenas acompanhamentos. É impressionante a quantidade de arroz que comem. Dizem as estatísticas que cada malgaxe come 150 kg de arroz por ano, quantidade que quase triplica se o visado for de uma zona rural e fizer do esforço físico a sua forma de vida.
E o arroz, como quase toda a comida, é cozinhado sem sal, interdito por algumas etnias pois, por ser retirado do mar, pertence ao deus Zanhary.


E nem na bebida nos entendíamos. Enquanto os copinhos-de-leite dos turistas bebiam água engarrafada ou purificada com Micropur, os nossos bravos remadores preferiam as águas pardacentas do Manambolo às quais juntavam o indispensável rum de produção caseira e artesanal comprado nas aldeias por onde passámos e cujo teor alcóolico era suficiente para rescuscitar qualquer antepassado.

domingo, outubro 28, 2007

Manhã, tão bonita manhã

Como é hábito acordo antes dos outros - o que me fez merecer a alcunha de "estrela da manhã" - e sento-me à beira-rio.
O doce chlap das águas... O concerto estridente dos papagaios cinzentos que vemos durante o dia pára e dá lugar aos prrrrriiiiiiiii, aos uic-uic de outros pássaros, aos bzzzzzzzzzzzzzzz e ploc dos insectos. As estrelas apagam-se lentamente para dar lugar ao sol que pinta de vermelho a névoa que se levanta das águas...

Pouco a pouco o acampamento desperta. Aos sons da natureza juntam-se as vozes dos remadores, a louça a ser lavada, a preparação do pequeno-almoço.
As galinhas que nos acompanham passeiam-se junto às tendas. (Não o sabem mas hão-de fazer parte de um jantar.) O cheiro a café convida os mais resistentes a sair das tendas. A conversa escorre, animada.
Bom dia Manambolo!

sábado, outubro 20, 2007

O som do silêncio

A corrente é reduzida, a profundidade da água também. Avançamos num ritmo pausado, aos ziguezagues, para tentar escapar aos muitos bancos de areia que assoreiam o rio. Nem sempre o conseguimos mas felizmente Lungo, o 3º membro da tripulação da nossa canoa, está lá e, num instante, flutuamos novamente nas águas avermelhadas do Manambolo.
Turistas, como nós, não vemos. A agência com quem viajamos, a MadCameleon, tem o exclusivo da exploração do rio e organiza os circuitos de modo que cada grupo viaje isolado. O rio é nosso!

Ou quase... Das margens surgem, de vez em quando, mulheres que acenam à nossa passagem, crianças que nos saúdam com um bem disposto "Salama, vazahas" a que respondemos com o "Salama, gasys". Cruzamos uma ou outra canoa com habitantes locais à pesca ou a transportar pessoas e mercadorias.
E há pássaros, muitos. Andorinhas, papagaios, peneireiros, garças, abelharucos, a visão fugaz dos guarda-rios. Os peixes saltam, como que a manifestarem o seu desagrado por perturbarmos o seu banho. Não raras vezes um, mais enérgico, aterra dentro de uma canoa.
O olhar treinado de um dos remadores descobre um primeiro camaleão nos ramos junto à margem. Paramos e o bichito, rapidamente transformado em estrela da companhia, passeia-se, com um ar descontraído, nas nossas mãos, braços, de cabeça em cabeça.

Ouvem-se os pássaros, o restolhar de um ou outro crocodilo, o chlép-chlép das pagaias a mergulhar na água, ouvem-se os sons do silêncio...

segunda-feira, outubro 08, 2007

Álbum de fotografias

Algumas imagens da primeira parte da viagem a Madagáscar - a descida do rio Manambolo em canoagem - estão reunidas neste álbum no Picasa. Há fotografias comuns mas nem todas as do blogue estão no álbum e só um reduzido número das do álbum vão aparecer no blogue. O melhor, portanto, é olhar para os dois.

domingo, outubro 07, 2007

Por este rio abaixo

Sentamo-nos na margem do rio enquanto Sarindra, a nossa guia, escolhe, entre os muitos homens e rapazes presentes, os que nos vão acompanhar na descida do Manambolo. É longo o processo pois cada um quer explicar porque é que deve ser escolhido e a todos Sarindra faz perguntas, escuta com atenção. Sem perceber patavina do que se discute aproveitamos para uns momentos de descanso à sombra de uma árvore que partilhamos com as mulheres, crianças, galinhas e patos que se nos juntaram.

Finalmente a equipa está completa, o pagamento acordado. Com o salário médio em Tana a rondar os 32 euros, os 10 que cada um recebe pelos oito ou nove dias de trabalho é uma verdadeira fortuna que faz dos remadores os mais ricos da aldeia.
Carregam-se 13 canoas com as tendas, os sacos, água e comida. Seis delas transportam os vazahas e as restantes o material que nelas não coube. Mas não partimos sem a cerimónia do fomba. De cócoras na margem do rio escutamos Davidson, o líder dos remadores, pedir a benção dos antepassados e dos deuses do Manambolo. Um golinho de rum num copo que passou de mão em mão e... splash!.. partimos.

domingo, setembro 30, 2007

Sobre o Manambolo

Não sendo inédita, a partida de uma avioneta do aeródromo de Tsiroamandidy é suficientemente rara para atrair uma parte significativa da população local que se aglomera junto à vedação de acesso à pista. Grupos de crianças sorridentes, senhoras bem protegidas do sol por vistosos chapéus - sim, que o malgaxe, homem ou mulher, é coquette - homens de catana na mão, marca do trabalho no campo que interromperam, assistem, curiosos, aos preparativos para a nossa partida.

Passadas as montanhas o Manambolo, o rio onde iremos passar os próximos dias, serpenteia por entre bancos de areia deixando antever uma navegação difícil.


E, se à partida tivemos assistência, o que dizer da verdadeira comissão de boas vindas da chegada? Assim que as hélices pararam, rapazes e crianças precipitaram-se para o avião disputando o privilégio de transportar os nossos sacos. Os rapazes para mostrarem a sua força e conseguirem, assim, ser escolhidos para integrarem a nossa equipa , as crianças pela emoção de tocarem os apetrechos dos vazahas.


sábado, setembro 22, 2007

Famadihana - revirar os mortos


A ligação entre as pincipais cidades de Madagáscar, seja ela por estradas ou por pistas, é garantida pelos "taxy-brosy"- carrinhas, camionetas ou mini-autocarros - em condições mais ou menos precárias. Muitos dos que cruzámos ostentavam uma placa de "transporte especial" porque, no tejadilho, misturado com cestos, sacos de arroz, galinhas, colchões, móveis e bicicletas, ia um caixão.

É curiosa a relação dos malgaxes com a morte que, aliás, consideram a parte mais importante da vida. As exéquias dos membros da tribo Antaisaka têm tempos rigorosamente marcados. A um primeiro sinal todas as mulheres choram, a um 2º calam-se e é a vez das crianças cantarem para, logo a seguir, todos dançarem.

Mas bem mais curioso é o famadihana, traduzido um pouco livremente por "revirar os mortos", cerimónia própria dos Betsileo e dos Merina, que tem lugar 4 a 7 anos após a morte. É, ao contrário do que se possa pensar, uma ocasião alegre, uma oportunidade para comunicar com o espírito do defunto.

No dia escolhido pelo adivinho-astrólogo, sempre na estação seca, entre Junho e Setembro, familiares e amigos dirigem-se ao túmulo familiar e hasteiam a bandeira malgaxe. Os restos do antepassado são, então, retirados, lavados, embrulhados numa nova mortalha e transportados até casa onde os parentes próximos aproveitam para tocar, conversar, pedir a benção, pôr ao corrente das notícias da família, da aldeia. Pedaços da antiga mortalha são disputados pelas jovens e mulheres em idade fértil e colocados debaixo do colchão para garantir uma prole numerosa.

A banda contratada toca, o rum corre, a comida é servida. Os familiares mais chegados colocam alternadamente o corpo aos ombros e com ele dançam e pulam. A festa dura cerca de uma semana, é feita por famílias ricas ou pobres, dos meios rurais ou urbanos e é cara, muito cara. Ao custo da nova mortalha, de seda, há que juntar comida e bebida de algumas centenas de convidados, pagamento à banda e ao adivinho, taxas administrativas e presentes para a aldeia. Finalmente o corpo regressa ao túmulo onde é fechado até ao próximo famadihana.

Cereja em cima do bolo, tivemos a sorte de deparar com uma celebração e pudemos assistir, em silêncio e sem ousar fotografar, à dança frenética de uma mulher que abraçava um defunto envolvido numa esteira. Pela energia com que pulava(m) quis-nos parecer que, no final da cerimónia poucos dos ossos estariam no lugar correcto.

quinta-feira, setembro 20, 2007

A estrada dos mil

Eram mil. Mil guerreiros que defendiam o burgo a que foi dado o nome de Antananarivo, a cidade dos mil. Mil os que no século XVII partiram à conquista dos reinos do oeste por caminhos que são hoje a estrada razoavelmente alcatroada que seguimos. A estrada dos mil, pois claro!
Guerreiros de outros tempos não encontrámos, mas cruzámos verdadeiros resistentes da estrada, velhos Renault 4, Peugeot 404 e 403, Citroen 2 Cv e arrastadeiras que, apinhados de um número impossível de gente, bens e animais, lutam diariamente com as profundas crateras da maior parte das estradas e pistas de Madagáscar: os "taxi-brousse".

Passámos vulcões e lagos, montanhas feridas de vermelho pela erosão que a desflorestação permite. Aos poucos descubro o país que visitei em 2003: as carroças puxadas por zebus, as concorridas vendas à beira da estrada, as ruas caóticas, o sorriso do povo malgaxe.

Ah!, que bem que sabe reeencontrar os amigos!





domingo, setembro 16, 2007

Tsy malagasy azoako


Como não podia deixar de ser, a língua malgaxe reflecte a miscigenação. Com raízes malaio-polinésias, foi ao árabe buscar os dias da semana e termos associados ao comércio, ao banto africano os nomes de muitos animais. Com o francês, por vias da colonização, tem uma relação privilegiada e ao inglês pediu emprestado os nomes dos meses e muitos outros.

Numa primeira análise parece ser uma língua simples, quase infantil. Como os verbos em geral não se conjugam e precedem o sujeito, a tradução directa não deixa de nos fazer sorrir. Por exemplo, "Vou comprar uma galinha amanhã" diz-se "futuro comprar galinha eu amanhã". Ou "ontem apanhei um avião" que se traduz à letra por "passado partir carro-voador eu".

Mas não se julgue que é uma língua fácil, tem subtilezas que, pelo menos, para nós, ocidentais, são verdadeiros quebra-cabeças. Observe-se o que se passa com os pronomes. A 2ª pessoa do singular não é um simples "tu". Os malgaxes usam palavras diferentes quando os dois interlocutores são dois rapazes, duas raparigas, um rapaz e uma rapariga, dois jovens adultos, um homem e uma mulher, .... Quando duas pessoas falam de uma terceira, aquilo que para nós é um normalíssimo "ele" ou "ela", varia, para os malgaches, não só com o sexo, a idade, o grau de intimidade mas também com a distância a que a pessoa se encontra. Se é quase nula, se é pequena, grande, muito grande, desconhecida...

Não, não é fácil!


Por isso as minhas tentativas de aprender malgaxe ficaram-se na memorização de umas quantas palavras indispensáveis e uma dezena de frases e expressões. Esforços que foram sempre recompensados com um olhar de espanto e um sorriso aberto seguidos de uma torrente de palavras malgaxes, incompreensíveis para mim, e que me obrigava a dizer a frase mais útil que aprendi:

"Tsy malagasy azoako!", ou seja, "eu não falo malgaxe!"

quarta-feira, setembro 12, 2007

O povo malgaxe

Crê-se que os primeiros homens terão chegado a Madagáscar há cerca de 2000 anos vindos da Malásia e da Indonésia. Seguiram-se-lhe árabes, africanos e europeus, dos quais os portugueses foram os primeiros.
A mistura singular criou um povo com características físicas, crenças e tradições muito variadas. São, ao que parece, 19 milhões. Esse é, pelo menos, o número da última "estimativa oficial". Estima-se também que 3/4 desta estimada população viva em zonas rurais, áreas que incluem não poucos locais de difícil acesso e em que aldeais inteiras escapam ao crivo do recenseamento.
Estão divididos em 18 grupos étnicos que, mesmo nos dias de hoje, mantém fortes identidades culturais, costumes e tradições que os distinguem dos outros.


E assim é que os Merina, das Terras Altas, constroem túmulos de tijolo, decorados com pinturas que retratam as características ou a profissão do defunto, enquanto os Sakalava, a leste, os enfeitam com esculturas de madeira, geralmente de cariz erótico.
Para os Betsileo, do centro, o zebu é fonte de alimento mas para os Bara, povo do sul dedicado à pastorícia, é um animal sagrado, utilizado apenas em sacrifícios. De tal modo o animal é aí prezado que o roubo de uma rês, punido muitas vezes com a morte, é considerado um acto de coragem sem o qual um rapaz não pode aspirar a encontrar companheira.


sábado, setembro 01, 2007

Madagáscar - o regresso (1)

O regresso a Madagáscar, onde já havia estado em 2003, foi como que uma viagem a 3 tempos:
Uma primeira parte no "oeste selvagem", com 5 magníficos dias de canoagem no rio Manambolo que nos levaram às gargantas e aos fabulosos Tsingy de Bemaraha (e não só...).
Seguiu-se-lhes o norte. Muito mais turístico e com um turismo totalmente diferente, onde houve tempo para visitar reservas naturais e para uns dias de praia em águas com uma extraordinária profusão e variedade de peixes.
E, por último, o leste, a tranquilidade do canal de Pangalanes e os muitos close-encounters com lémures.
Mas, nada melhor que abrir o diário de bordo:

sexta-feira, julho 27, 2007

Mandra-pihaona!

Dentro de horas Mochila às Costas parte para Madagáscar. Quatro anos após da primeira viagem, este é um regresso prometido e muito desejado. Um circuito cuidadosamente "costurado", com passagem por locais, emblemáticos e não só, que não visitei em 2003. Do menu fazem parte 5 dias de descida do rio Manambolo, em canoa, caminhadas nos famosíssimos Tsingy de Bemaraha (património mundial da UNESCO) e de Ankarana, a avenida dos Baobás ao pôr-do-sol, a baía de Diego Suarez, que dizem ser quase tão bela quanto a de Guanabara, as águas do Índico em Nosy Be, o canal de Pangalanes, muitas reservas e parques naturais para ver lémures, osgas, camaleões, morcegos, orquídeas...

O regresso ao blogue, esse, far-se-á só em Setembro.
Mandra-pihaona! (Até breve!)

quinta-feira, julho 26, 2007

Os números de África

A viagem chega ao fim sem mais nada de relevante a acrescentar. Acrescentemos, apenas, alguns números. Impressionantes.
Durante quase 4 semanas passámos por 6 países da África. Países onde a esperança de vida é de 38 anos, como na Zâmbia ou o Zimbabwe, e só ultrapassa os 43 no Botswana. Países onde a mortalidade infantil varia entre os 44/1000 do Botswana e os 110/1000 de Moçambique.
A República da África do Sul tem um crescimento populacional de -0,46. Sim, negativo! Não que a taxa de natalidade seja baixa. As mortes é que são muitas! SIDA, cólera, malária... pense-se numa epidemia e, quase de certeza, está lá, na África sub-sahariana.


Países onde as taxas de prevalência da SIDA oscilam entre 18 e 26%. Estimados, pois estes são números obtidos por projecção a partir de testes feitos a grávidas que recorrem a centros de saúde.
A SIDA avança graças à prostituição, aos trabalhadores migrantes e aos soldados, claro, mas também graças à falta de informação e prevenção, a crenças – em certas sociedades a "cura" passa por ter relações sexuais com uma virgem.



A malária aumenta porque o transmissor desenvolve, rapidamente, resistência aos medicamentos, porque guerras obrigam as populações a fugir, muitas vezes para zonas insalubres e infestadas de mosquitos, porque, ironia do destino, os projectos de irrigação criam novos locais de proliferação. Uma rede mosquiteira tratada é quanto basta para reduzir drásticamente os números da malária. Mas uma rede custa dinheiro, 1 euro, quantia inatingível para a maior parte das famílias. Na África a sul do Sahara a malária mata 1 milhão de crianças por ano. Duas por minuto. Quantas terão desaparecido no tempo que levou à leitura deste post?

Os números de África são um tsunami silencioso...

República da África do Sul - Parque Nacional Kruger

É, talvez, o parque nacional mais conhecido pelo mundo. Os seus 20.000 km2, distribuídos numa faixa que se estende ao longo da fronteira com Moçambique, albergam uma diversidade e variedade impressionantes de vida selvagem. Aqui é o homem que fica fechado, entre o pôr e o nascer do sol, em campos bem equipados.


"Lá fora", em 95% do parque, ficam as paisagens africanas intactas, onde reinam os animais. Girafas, impalas, zebras, kudus, crocodilos, hipopótamos, pássaros - muitos pássaros - répteis, e , claro, as estrelas da companhia, os "big five", os cinco animais que os caçadores consideram os mais perigosos: elefante, leão, búfalo, rinoceronte e leopardo.

A guerra civil em Moçambique, que, durante as décadas de 70, 80 e 90, opôs a Frelimo e a Renamo, conduziu à fuga de milhares de refugiados muitos dos quais pela zona de fronteira com o Kruger. Segundo estatísticas oficiais do parque, anos houve em que o número dos que utilizavam o parque como passagem para a República da África do Sul atingiu os 10.000. Os soldados da fronteira assinalavam frequentemente a descoberta de restos de humanos devorados por leões e as autoridades do parque queixavam-se que alguns leões se tinham tornado "devoradores de homens". Na década de 90 quatro leões foram capturados por se verificar que tinham comportamentos estranhos em relação aos rangers. Um exame profundo revelou que nos seus estômagos havia restos humanos. Foram abatidos.

quarta-feira, julho 25, 2007

Maputo - a pérola do Índico

Como uma velha aristocrata, Maputo mantém o encanto, discreto, escondido sob as rugas que o tempo deixou, de forma descuidada, no abandono das avenidas e prédios, e deixa adivinhar a cidade bela e grandiosa que deve ter sido.
E edifícios magníficos não faltam, como o dos correios ou a quase centenária estação de Caminhos de Ferro, um dos mais belos da cidade. A cúpula, ao que parece, tem a assinatura de Eiffel, que a desenhou de modo a permitir a entrada de luz e a circulação de ar.

Está vazia a estação quando lá entramos a meio da manhã. O funcionário da bilheteira, a única pessoa que lá encontrámos, sorri, ensonado, e explica-nos que os primeiros comboios já partiram. Para Komatiport, na África do Sul, para onde levaram quem lá trabalha. O silêncio é tal que é difícil imaginar a agitação que deve ter tido noutros tempos e que se reproduz um pouco no início e fim de dia. Colunas de mármore, magníficas portas com vidros trabalhados, locomotivas antigas, as primeiras, a vapor, que operaram em Moçambique, tudo de uma limpeza imaculada que contrasta com o resto da cidade.


Mas Maputo é também uma cidade viva, uma vida que se exibe no movimento do porto, nos mercados coloridos, nas avenidas animadas, nas vendas de rua, nos anúncios pintados nos muros e paredes, nos grupos de amigos que se juntam nas esplanadas para intermináveis conversas em torno de uma 2M, na beleza eterna das águas do Índico.

domingo, julho 22, 2007

Moçambique - a praia de Barra

Uma praia, a da Barra, quase só para nós, bungalows sobre as dunas, um colchão confortável, o Índico aos nossos pés: uma amostra do paraíso.
Um mergulho na zonas dos corais na companhia de peixes de várias cores, tamanhos e feitios, moreias, estrelas do mar e holotúrias. De barco, procurámos o enorme tubarão-baleia, frequente na zona mas que, hélas, faltou ao encontro. Mas não faltaram os golfinhos com crias, ou a baleia, nem mesmo a raia com quem tentámos, em vão nadar.


À noite, sob o alpendre transformado em cozinha, foi tempo de nos deliciarmos com recém-pescados barracudas, camarões e lagostas acompanhados com uma refrescante sangria, cortesia de moi-même.

quinta-feira, julho 12, 2007

Moçambique - o "rei" Alexandre


Foi num vetusto machimbombo, um autocarro de transporte público, que há 5 anos, percorri esta mesma estrada, a que liga Vilankulo a Maxixe. Éramos, então, o Nuno e eu, os únicos turistas (leia-se "brancos") a bordo e a viagem foi inesquecível, boa parte dela feita de madrugada, sob um nevoeiro cerrado, a uma velocidade que excedia em muito a aconselhável, uma condução que deixou quase todos os passageiros à beira de um ataque de nervos.
Fazemo-la agora de dia, com a calma que as estradas africanas requerem, paramos num mercado e.. são horas de pensar no almoço.


Aproveito a pausa, à beira da estrada, para dois dedos de conversa com um grupito de pessoas que se concentram junto a duas cubatas.
"Aaaaah... Portugal!" Alexandre, o líder do pequeno grupo, tem lá um primo, em Lisboa. Os outros ouvem, acompanhando a conversa. As mulheres, duas, riem envergonhadas quando lhes dirijo a palavra, mostram-me a fábrica de pão numa das cubatas, onde alguns jovens enfarinhados se preparam para levar ao forno os tabuleiros com pequenas bolas.


Do camião, Gerard apita para interromper a cavaqueira e me fazer regressar. À nossa espera, um pouco mais a sul, estão as praias junto a Inhambane.