Mostrar mensagens com a etiqueta Senegal 2008. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Senegal 2008. Mostrar todas as mensagens

domingo, maio 03, 2009

Para que a terra não esqueça...

Gorée foi o último ponto da nossa viagem, e o mais forte, também. A ilha a escassos quilómetros de Dakar foi outrora um importante centro de comércio de escravos, um processo que envolveu holandeses, portugueses franceses, ingleses além de governantes locais que, fechando os olhos ou promovendo a captura, lucravam com o negócio.

É o conservador Joseph Ndiaye quem nos abre as portas da Casa dos Escravos e traça a história dos milhares, se não milhões, de homens, mulheres e crianças que aguardaram na ilha o embarque para as Américas.

No piso térreo amontoados em celas pestilentas, homens, mulheres e crianças, separado uns dos outros apenas tinham do exterior a visão das escadas que levavam ao 1º andar, onde negreiros e famílias viviam, sabe-se lá como, uma vida normal, apenas interompida nos dias em que os compradores experientes inspeccionavam e esclhiam os escravos trazidos para o pátio. Fechado o negócio a vida na casa regressava à rotina , com os risos das crianças e as festas no andar de cima a contrastar com os choros e gritos de desespero dos encarcerados.

Ao fundo uma porta aberta para o mar, a porta do não-retorno, pela qual passavam os que embarcavam para as Américas. E de nada servia tentar escapar mergulhando no oceano: as águas estavam infestadas de tubarões atraídos pelos cadáveres dos muitos que não sobreviviam à clausura.

Se Gorée é hoje um lugar tranquilo de casas coloridas e atmosfera descontraída, é impossível esquecer os horrores da escravidão e a Casa dos Escravos lá está para manter acesa a nossa memória.

Vale a pena ver a reportagem da TF1 que inclui uma entrevista a Joseph Ndiaye, falecido a 6 de Fevereiro deste ano, mês e meio depois da nossa visita.


terça-feira, abril 21, 2009

Lago Rosa

O rally Paris-Dakar deu-o a conhecer ao mundo fazendo dele o ponto de chegada da última etapa. A escassos quilómetros de Dakar e separado do Atlântico por um estreito cordão dunar, o Lago Rosa, ou Retba, deve a côr e o nome à presença de micro-organismos e à elevada concentração de minerais e ocupa uns modestos 3 quilómetros quadrados, bem longe dos 32 de outros tempos.
Outros tempos também aqueles em que o rally trazia carros, equipas e turistas, em que os hotéis se enchiam de hóspedes e as margens do lago de vida.

É por volta do meio-dia dos meses de inverno que o ângulo de incidência do sol sobre as águas faz sobressair o tom rosa e o lago parece saído do pincel de um pintor surrealista.
A concentração de sal, 380g/l, é mais de 10 vezes a das águas do Atlântico, ali mesmo ao lado, o que permite que nele se flutue como no Mar Morto.

Peixes não há e os únicos sinais de vida são dados pela meia dúzia de homens que, com água pelo meio do tronco, se entregam à dura tarefa de quebrar a crosta de sal depositada no fundo e encher barcaças. Fazem-no ao longo do dia, sete horas por dia, seis dias por semana. Mergulhados nas águas que o sal torna corrosivas e apesar de untados com manteiga de "karité", as queimaduras provocadas pelo sol e pelo sal são inevitáveis e a inalação de vapores provoca danos irreversíveis no cérebro.

Trazido o sal para terra é a vez das mulheres inspeccionarem a carga para desfazer os maiores pedaços. Amontoado junto à margem ali fica até que a acção do sol o torne mais branco. O mais fino é ionizado e vendido para fábricas de conservas e para a mesa, o mais grosso exportado e espalhado pelas ruas das cidades da Europa que o inverno encheu de neve.


quarta-feira, março 18, 2009

A luta tradicional

O desporto nacional é o futebol, o voleibol e o basquetebol são cada vez mais populares mas é a luta tradicional que corre nas veias dos senegaleses e dia de combate é dia de concentração dentro e fora dos estádios, ou pelo menos junto aos rádios e às televisões.
O que podem então fazer duas toubabs em noite de combate em Ngandane? Juntar-se à multidão nervosa que se apinhava junto à porta estreita do estádio e tentar entrar no recinto.
O estatuto óbvio de turistas e a hospitalidade senegalesa abriam-nos as portas e minutos depois lá estávamos nós, sentadas no chão poeirento, entaladas entre uns milhares de apoiantes nervosos e ruidosos.

Se em tempos idos as lutas serviam para conquistar uma mulher ou para designar o mais forte da aldeia, hoje é um desporto que seduz multidões e os melhores atletas são pagos a peso de ouro. Não é raro ver miúdos e jovens que passam horas seguidas nas praias a treinar com afinco, na esperança de um dia se puderem juntar aos seus ídolos.

Mas o espectáculo, pelo menos para os nossos olhos leigos, está fora do pequeno círculo de areia onde se desenrola o combate. Está no colorido dos fatos das mulheres que cantando se passeiam pelo recinto obrigando a uma paragem nas disputas. Nos gritos, nos uivos da assistência, nos cânticos de incitamento, no ecoar surdo, poderoso, incessante, arrepiante dos tambores. E nos lutadores, corpos musculados brilhantes dos óleos que trazem boa sorte, cobertos da areia que afasta os maus espíritos, nos amuletos, nos olhares de intimidação que lançam aos adversários.

A luta propriamente dita é rápida. Um ou dois minutos bastam para que um dos combatentes consiga forçar o adversário a colocar as costas no solo ou a ficar apoiado nos quatro membros.

Acabada esta disputa, que venha a seguinte. E outra, e mais outra....

terça-feira, março 03, 2009

Os pássaros do Saloum

É sobre umas tábuas abauladas que flutuam na água suja que enche o fundo da piroga que nos "sentamos". Não será o supra-sumo do conforto mas ninguém se importa. Uma hora e meia depois de termos partido do areal de Foundiougne, passada que está a zona de maior agitação, o "capitão" Assane permite que nos apoiemos na borda: entramos nos canais e o espectáculo vai começar.

Os artistas principais são os pássaros do Saloum. Dizem que na altura própria, de Abril a Junho, chegam a ser 60.000, que voam à volta das pessoas às vezes apenas a 1 metro, num piar incessante, como se fosse um filme de Hitchcock.
Agora são poucos mas, mesmo assim, a variedade e a distância a que permitem que nos aproximemos não dão lugar a qualquer desilusão. Garças reais, boieiras e pretas, várias espécies de gaivotas, colhereiros, patos e corvos marinhos, uma imponente águia pesqueira... E até uma lontra furtiva deu um arzinho da sua graça.

Impressionantes são os pelicanos, mais de 10 quilos de peso que meia dúzia de batidas das suas enormes e poderosíssimas asas elevam quase sem esforço e que seguimos no ar, até desaparecerem...

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Sine-Saloum, entre a terra e o mar

Os braços do rio Saloum formam uma intrincada rede de canais que alberga um dos mais ricos eco-sistemas de África. Tão rico que as excepcionais quantidade e variedade de fauna e flora justificaram a inscrição como Reserva da Biosfera da UNESCO.
É um território híbrido, entre a terra e o mar, com centenas, se não milhares, de ilhotas que se alteram a cada mudança da maré. Inevitavelmente os serere, etnia dos habitantes do Saloum, são pescadores e a atracção pelo mar sente-se a cada instante.

De aspecto aparentemente inóspito o mangue é o meio ideal para os animais, que estão em toda a parte. Peixes, caranguejos, camarões, ostras que se agarram às raízes das árvores que a maré baixa deixa a descoberto e que provamos, grelhadas numa fogueira improvisada. Mangustos, lontras, macacos e pássaros, muitos pássaros...


(Veja a reportagem fotográfica sobre o Saloum, na revista GEO)

sábado, janeiro 31, 2009

Álbum de fotos


O primeiro álbum de fotografias da viagem ao Senegal pode ser visto aqui ou na margem do blogue em Álbum de fotografias / Senegal - Dezembro 2008.

sexta-feira, janeiro 30, 2009

A Ilha das Conchas

Crac-crac ... fazem os nossos pés quando percorremos as ruas da pequena aldeia-ilha de Fadiouth. Crac-crac porque o chão está coberto não de terra ou areia, muito menos de alcatrão, mas de conchas. Milhares, milhões de conchas.

Crac-crac, o chão que agora pisamos é o da pomposa "Avenue des Champs Elysées". Nem mais!
Gente simpática que nos cumprimenta, adolescentes que se animam em volta dos matraquilhos, um grupo de homens que joga às cartas, a enorme igreja de São Francisco Xavier, junto ao baobá sagrado. Aqui invertem-se as proporções de crentes - 90% são cristãos, os restantes muçulmanos. Todos animistas, claro!

Uma ponte estreita leva-nos a outra parte da aldeia, a ilha-cemitério onde, por entre baobás, cristãos e muçulmanos reposam, lado a lado, cobertos de conchas.

Por fim, é de piroga que chegamos à terceira ilhota, meio escondida por entre os mangais, que constitui o celeiro de Fadiouth. Construídos sobre estacas para resistir às marés, os celeiros estão propositadamente numa ilha à parte para evitar que as colheitas fossem destruídas pelos frequentes fogos que arrasavam a aldeia, nos tempos em que as casas eram de madeira. Protegem-nas agora dos animais mas não há quem os proteja a eles do quase abandono a que estão votados nestes dias em que a população, pouco a pouco, põe de lado a agricultura para se dedicar à pesca e ao turismo.

domingo, janeiro 25, 2009

Teranga

É a imagem do país: teranga - hospitalidade, tolerância, simpatia.
Senão veja-se: dizem os livros que 94% da população é muçulmana, 4% cristã e 2% animista. Em teoria, porque, na prática, o animismo, mais ou menos vivido, coabita sem problemas com os outros cultos. Reza-se a Alá ou a Jesus Cristo mas não se desdenha o sacrifício do galo.

Noite de 24 de Dezembro, festa cristã. Sendo os cristãos uma minoria pode pensar-se que os festejos passam despercebidos. Errado! Festa é festa e o resto não interessa. Senegalês que se preze não desperdiça uma oportunidade de reunir família e amigos e celebrar. E é vê-los, cristãos e muçulmanos, nos seus melhores trajes, a encher as igrejas na missa do galo, lado a lado.

Nem na comida há segregação. É certo que os muçulmanos não admitem carne de porco à sua mesa mas não é por isso que se importam que os seus borregos partilhem o terreiro com os suínos pertença da família cristã que vive ao lado, ou que o talho tenha um pedaço de entrecosto de porco misturado com as pernas de carneiro que compram.

O estrangeiro, o desconhecido que se cruza na rua, é bem vindo, recebido com sorrisos francos. Diz-se bom dia a todos mas não se fica por aí. "Nanga def?" Há que inquirir pela saúde de toda a família, um a um. Pela mãe, o pai, o marido e os filhos, os irmãos. E só depois das respostas e de responder por sua vez às perguntas equivalentes que o visitante também faz, é que continua o caminho.

"Ba bénen", até à próxima.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Sorria, está no Senegal!

Os próprios senegaleses dizem que só se vem a Dakar para partir mas convenha-se que nem isso é fácil.
A cidade fica na ponta de uma península pequena e estreita. Junte-se as muitas ruas cortadas pelas obras, os inúmeros sentidos proibidos que mudam frequentemente, as carroças, os peões, os táxis em contra-mão e é fácil perceber porque é que as poucas vias de entrada ou saída estão sistematicamente engarrafadas.

Tão irremediavelmente engarrafadas que o melhor é aproveitar as 2 ou 3 horas de pára-arranca. Para abrir a porta, deixar entrar o ar fresco e descansar um pouco, para olhar a pintura naif de uma parede ou fazer umas compras. Sem sair do carro, claro.

Talvez não seja possível um corte de cabelo ou mandar fazer um fato na hora mas dá certamente para lançar o olho às bitiks (leia-se "boutiques") que ostentam, orgulhosamente, nomes como Galeries Lafayette, Auchan, Carrefour. Fácil é comprar uma melancia ou um pacote de lenços de papel, um boné com as cores do Senegal ou uma chave de parafusos, um pedaço de carne de carneiro ou um DVD pirata, comer uma kebab ou um pastel, beber uma taça de nescafé feito na hora ou um sumo de baobá.

E não se preocupe se não encontra o que procura. O pedido passa de boca em boca e de certeza que uns metros mais adiante alguém se abeira da janela do seu carro com o produto pretendido e um sorriso rasgado.
Não fosse o Senegal o país da teranga!

domingo, janeiro 04, 2009

Dakar - carroças e karrapits

"Não parece que estou em África!" Foram as primeiras palavras que me vieram à cabeça ao aterrar em Dakar. Lá do alto a cidade apareceu bem iluminada, com arranha-céus modernos, e as formalidades de desembarque são rápidas, bem organizadas.
Mas bastaram os primeiros quilómetros na estrada que liga o aeroporto à cidade para que a impressão se desvanecesse.

Mesmo às primeiras horas da manhã a confusão reina. Nos passeios as pessoas disputam um lugar de passagem por entre as bancas rudimentares onde se vende roupa em 2ª mão, fruta, tabaco, jornais, pentes, bebidas, móveis, bolos e pensos.
No alcatrão carros e jipes ziguezagueiam entre as dezenas de carroças e os karrapit (leia-se "car rapide"), os autocarros azuis e amarelos cujo lema é: "S'en fou la carrosserie."

Os cheiros misturam-se. O vento traz o do mar, ali ao lado, mas logo se dilui no dos esgotos, da poluição, dos fritos e dos amendoins grelhados.
E as buzinas mal deixam ouvir os muezzins que, do alto dos minaretes, chamam os fiéis à oração.

O sorriso instala-se, a viagem começa...