quinta-feira, julho 27, 2006

Mochila às costas!

Mochila (quase) às costas !

Dentro de algumas horas parto para Joanesburgo, via Paris, para, no domingo, num camião como o da fotografia, começar o Southern Circle, uma viagem por países africanos.
Não serão muitas as ocasiões para actualizar o blog mas ... I'll do my best!
Entretanto o plano da viagem pode ser consultado aqui
ou, com mais detalhe, aqui


Até já!

terça-feira, julho 25, 2006

Islândia 2000 (parte 7) - Take fyrir

Os postes de electricidade que anunciam a proximidade de Gullfoss, os primeiros que vemos desde há uma semana, marcam o nosso reencontro com a civilização. Como marcante deve ter sido, para os visitantes da magnífica queda de água, a chegada de um grupo de cavaleiros, vestidos de impermeáveis laranja, acompanhados de uma manada de cavalos em liberdade. Nova paragem, em Geysir, a terra que deu o nome a todos os géiseres, para ver o Strokkur, o jacto de água, e chegamos a Hvítárdalur, ponto final da nossa aventura equestre.

Um duche retemperador, um jacuzi ao ar livre, um jantar de festa, a distribuição dos diplomas, a troca de contactos. É já com saudade que olhamos uma última vez para os cavalos. Para trás ficam as memórias de jornadas duras, extenuantes, as feridas, o desconforto. Mas fica, acima de tudo, o prazer indiscritível dos intermináveis tolts e galopes, a emoção imensa de galopar integrado numa manada em liberdade, a natureza rude e majestosa da ilha.

Take fyrir, obrigada!

domingo, julho 23, 2006

Islândia 2000 (parte 6) - o tempo islandês

Contrariamente ao habitual, hoje, o recolher vai ser tardio. Culpa da festa, o serão em que cada um dos participantes neste raid vai ter de falar um pouco do seu país, contar uma história, cantar uma canção. E não foi a chuva que nos acompanhou ao longo do dia, e que nos fez chegar encharcados ao abrigo, que quebrou a animação da noite. Ao longo de várias horas cantámos, jogámos, dançámos, como se o corpo não se ressentisse do esforço a que, nestes dias, o temos obrigado.
Antes de nos irmos, por fim, deitar, Gudrum avisou-nos: "Esperem que amanhã o dia esteja melhor porque, esteja ou não, temos de continuar. E não digam que o dia de hoje podia ter sido pior porque aqui, na Islândia, pode sempre ser pior."

E foi! Chovia forte quando nos levantámos e vestimos a roupa molhada que o frio da noite não permitiu que secasse. Chovia ainda mais forte quando nos apinhámos no barracão apertado para, com estrume e lama até aos tornozelos, aparelharmos os cavalos. Chovia torrencialmente quando Gudrum lançou o terceiro "iá-iá" e partimos. E a chuva enerva os cavalos!

A manada avança num galope desenfreado, um vento fortíssimo empurra-nos da sela, grossas bolas de granizo magoam-nos a cara. Galopamos de olhos quase fechados, às cegas, a um ritmo alucinante. Inclinada sobre o pescoço de Darri, o meu cavalo favorito, o meu flying sofa, num equilíbrio que o vento torna instável e difícil, com a água a entrar pela gola e pelas mangas do impermeável e a escorrer por todo o corpo, apenas vejo à minha frente a garupa do cavalo do Richard e só espero que não se desvie do trilho, que não se perca do resto do grupo.
Mas, por estranho que possa parecer, apesar das roupas ensopadas, apesar do frio, a sensação de prazer e liberdade é indiscritível!

E quando, umas horas mais tarde, Gudrum propôs que fizessemos os últimos quilómetros da etapa na carrinha que tinha vindo ao nosso encontro, recebeu como resposta um sorriso cúmplice e um "iá-iá" em uníssono. E partimos!

quinta-feira, julho 20, 2006

Islândia 2000 (parte 5) - A canção do bandido


Ao quarto dia de viagem chegamos a Hveravellir, área geotermal com fumarolas e nascentes de água quente. Reduzidos, até aqui, à lavagem sumária que as torneiras ao ar livre têm possibilitado, a hipótese de um banho, mesmo que sem sabonete, é vista como a supra essência do luxo.
Dez horas de uma noite ainda muito clara. Descalços, e a tiritar de frio, percorremos as duas ou três centenas de metros que separam o nosso abrigo da piscina natural. A temperatura exterior, a fazer fé no relógio do suíço Peter, é de 8º. À nossa espera, as águas sulfurosas da "piscina", temperadas pelas de um riacho de montanha, devem rondar os trinta e muitos.

Durante duas horas ali ficamos, em banho-maria, imersos até ao pescoço, no mesmo local onde, num distante inverno do século XVIII, se aqueceu o fora-da-lei Fjalla Eyvindar, que ali se abrigou com a família.

Atravessava a Islândia um período de miséria. Sucessivos invernos invulgarmente rigorosos, a que se juntaram os não pouco frequentes tremores de terra, conduziram à morte de um quinto da população e de três quartos do gado. O roubo, em particular o roubo de comida, era considerado o mais grave dos crimes, pior que um assassínio ou uma violação.
Acusado de se apoderar de um queijo, Fjalla é banido da sociedade, proscrito. A partir de então qualquer um que o encontre tem o direito de fazer justiça pelas suas próprias mãos. Com a mulher, Halla, refugia-se no interior da ilha, tão rude e duro que poucos se atrevem a persegui-los. Para sobreviver não lhe resta outra hipótese senão a de roubar gado, aumentando, assim, a ira e o desejo de vingança dos seus conterrâneos, o que os obriga a saltitar de buraco em buraco, à medida que os perseguidores lhes descobrem o rasto.

A desolada e estéril região de Hveravellir, e uma gruta com menos de um metro de altura, foi um dos seus esconderijos. Uma canção popular islandesa descreve o momento trágico em que Halla atirou o filho recém-nascido para uma queda de água quando, num inverno particularmente duro, a comida se tornou ainda mais escassa.

segunda-feira, julho 17, 2006

Islândia 2000 (parte 4) - O cavalo islandês


Mais pequeno que a maior parte dos seus congéneres europeus, robusto e maravilhosamente adaptado à dureza do clima e dos solos, o cavalo islandês apresenta a particularidade de não limitar os seus andamentos aos habituais passo, trote e galope. Por não ter sido treinado para as lides da guerra manteve duas formas de andar, o tolt e o pace, que os outros, há muito perderam. O tolt, em especial, por ser um andamento muito rápido e suave, faz as delícias de quem anda a cavalo na Islândia.

Diz-se mesmo que, neste andamento, se consegue segurar uma taça de champagne sem entornar uma única gota.
Talvez, mas o melhor que neste momento consigo é um passo estranho, entre o tolt e o trote, que me faz chocalhar desconfortavelmente. A posição a cavalo é diferente daquela a que estou habituada, são outros os músculos que trabalham. E, pôr a trabalhar músculos que não estão habituados, traduz-se numa sensação desagradável que o passar das horas torna doloroso.
Doem os abdominais, as pernas, as costas. Doem as nádegas, que ameaçam ficar em ferida. Doi-me tudo. Com uma das mãos agarro a sela na tentativa, vã, de aliviar o corpo. A única coisa em que sou capaz de pensar é que não vou resistir a tantos quilómetros.

Paramos para matar a sede nas águas deliciosamente geladas de um riacho de montanha, para uma dentada nas sandes do almoço. Afinal estamos todos doídos, com as nádegas em bolha. Gudrum ri-se, garante-nos que é natural, que os dois primeiros dias são assim mesmo, um inferno, mas que, se lhes resistirmos, vai ser maravilhoso. Olhamos uns para os outros e o ar de desalento é tão grande que não somos capazes de deixar de rir.

Ao terceiro iá-iá retomamos a pista...

quinta-feira, julho 13, 2006

Islândia 2000 (parte 3) - iá-iá!


Formamos um grupo heterogéneo: há norueguesas, suecas, americanos, ingleses, suíços, alemães, além dos indispensáveis guias e pessoal de apoio, islandeses. Portuguesa, apenas eu. As idades estendem-se dos 28 aos 71 anos; há estudantes e professores, empregados bancários e engenheiros, contabilistas, reformados, técnicos de aeroporto, agentes de viagens...

Para a maioria de nós, tantas horas, tantos quilómetros diários a cavalo, constituem uma estreia e é difícil não deixar transparecer uma certa apreensão, por detrás do sorriso que nos esforçamos por esboçar.

Mas não temos tempo para pensar: há que escolher os arreios, arrumar o impermeável e o almoço no alforge, ouvir com atenção as instruções básicas que seguiremos nos próximos dias. Num ritual que se repetirá a cada paragem, Gudrum, a nossa sorridente guia, grita um primeiro "iá-iá" e são horas de colocar a cabeçada no cavalo já aparelhado; ao som do segundo instalamo-nos na sela, corrigimos a altura dos estribos, prontos para o nosso primeiro dia, que será longo de 8 horas.

Um terceiro "iá-iá" e partimos.

segunda-feira, julho 10, 2006

Islândia 2000 (parte 2) - Kjolur

Historicamente o Kjolur era um caminho perigoso, entre os glaciares Hofsjokull e Langjokull, infestado de bandidos e proscritos. Crenças antigas reportam-se a crimes violentos e, um dos abrigos onde iremos pernoitar, diz-se assombrado pelo fantasma de uma mulher que, por se ter apaixonado por um criado, foi aí assassinada pelo futuro marido.
Ao longo dos seus 230 quilómetros não se encontram serviços, pontes, nem, por vezes, estradas; existem apenas rudimentares abrigos de montanha onde os viajantes podem descansar ou proteger-se das inclemências do tempo, sempre incerto. Mesmo em Julho ou Agosto neve e granizo não são invulgares, como teríamos oportunidade de constatar. Duzentos e trinta quilómetros que percorreremos em sete dias, cavalgando cinco a nove horas diárias, sem ver qualquer indício de civilização, sem contactar com outras pessoas. Durante sete dias não existirão telemóveis nem televisões, o conforto será reduzido, duche e electricidade luxos esporádicos e bem vindos. Durante sete dias serão os cavalos; os cavalos que é necessário aparelhar e cuidar, os cavalos que, além de companheiros de aventura, constituirão, igualmente, o tema de quase todas as conversas.

quinta-feira, julho 06, 2006

Islândia 2000 (parte 1) - Susanne


"Traduzes-me a letra de Grândola, vila morena"?

Sentada num dos degraus do abrigo de montanha, ao frio áspero de uma clara noite islandesa, olho, surpreendida, para a minha interlocutora: Susanne, alemã, 71 anos. Aos 52 divorciou-se do marido e da vida que levava; para sobreviver fez todos os trabalhos. "Trabalhos de homem, pouco dignos de uma mulher" disse, sem precisar mais. Susanne, berlinense, que sofreu a guerra como a aliada que não era, que festejou a libertação de Paris como se da sua cidade se tratasse, que chorou quando viu erguer-se o muro que rasgou em duas a sua Berlim e o seu coração, que chorou, de novo, quando, com as mãos calejadas pela dureza da vida, lhe arrancou, finalmente, um pedaço, que tornou a chorar quando, num distante dia de Abril, a rádio lhe trouxe a notícia da queda da ditadura de um pequeno país no extremo oeste da Europa.
Susanne que, como eu, integra o grupo que embarcou na aventura de atravessar a cavalo, e em autonomia, o coração gelado e deserto da Islândia, acompanhando uma manada de 75 cavalos em liberdade, percorrendo o lendário Kjolur, um dos dois trilhos que rasgam a ilha de norte a sul.

domingo, julho 02, 2006

Africa Trek 1


Acabei a leitura do primeiro volume de Afrika Trek que relata a fabulosa aventura de Sonia e Alexandre, um casal francês que percorreu, a pé, os 14.000 kms que separam o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, do lago Tiberíades (Mar da Galileia) em Israel.

"...Nous voulons marcher dans les pas de l Homme, d une extremité à l' autre du Grand Rift, [...], refaire symboliquement le "premier voyage" du "premier homme" qui a quitté le berceau de l'humanité pour se répandre jusqu'aux confins du monde. [...] Notre objectif est de rencontrer sur les sites les scientifiques qui nous apporteront des éclairages sur les spécimens qu'ils ont trouvés.[...] Au-delà de ces belles idées nous voulons marcher au coeur de l Afrique d'aujourd'hui en partageant la condition des Africains qui voudront bien nous recevoir chez eux le temps d'un soir et d'un échange, avant de reprendre la route. Arpenter l'Afrique réelle qui dépasse le cliché du guépard au soleil-couchant, et tenter d'échapper au sinistre triptyque guérilla-famine-épidémies. L'Afrique doit être ailleurs, elle est là sous nos pieds, et tout notre projet est enfin réduit à sa plus simple expression, pratique, concrète: commencer !"
in Afrika Trek I
Sonia e Alexandre Poussin
Éditions Robert Laffont, 2004