quinta-feira, agosto 16, 2012

Uma tarde, nunca é tarde


 Atravessou rapidamente o lobby do hotel para fugir à chuva que começava a cair, entrou no elevador e, mal as portas se fecharam, compôs a figura nos espelhos. Um barulho estranho, um solavanco sobressaltado e a gaiola dourada parou.
Marcel carregou em todos os botões, tentou forçar as portas, sem sucesso. Sabia que era passageiro, que em Veneza as faltas de luz eram frequentes e curtas. O que o aborrecia mesmo era estar ali fechado, entre dourados e damascos que não conseguia ver.
 
 
E ainda menos via o espectáculo que se desenrolava lá fora. Fechou os olhos e imaginou o vento e a chuva a serem impedidos de entrar, como hóspedes indesejados, a esmagarem-se nas janelas do terraço do Danieli, o céu de ardósia rasgado por relâmpagos traçados por mão de criança.
Ah... e o seu lanche.
O chá fumegante  para saborear devagar, muito devagarinho, quase gota a gota, a madalena que mordiscava quase a medo.

Click, as luzes regressaram à vida e o elevador continuou a subida como se nada tivesse acontecido.
Marcel entrou no salão. Na sua mesa habitual estava já o prato com o bolinho minúsculo que lhe encheria a tarde. Só faltava pedir o chá. Chegara a horas de recuperar o tempo perdido.

(Tarefa: na pele de Dickens, Proust, G Sand ou Balzac, que viveram ou estiveram hospedados no Hotel Danieli)

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