sexta-feira, agosto 03, 2012

O poço do ghetto



Passou pelo primeiro poço sem o ver. Ao segundo, mais distante, deitou um olhar desinteressado e foi ao chegar ao terceiro que abrandou o passo e parou. Com um ar aparentemente descontraído  olhou-o de todos os lados. A mão passou discreta sobre a tampa de metal, como se a acariciasse de uma forma quase sensual, os dedos nervosos percorreram o rebordo até pararem junto a um pedaço de papel que, mais do que se ver, se sentia.
Retirou-o à pressa e guardou-o, olhando à sua volta para se assegurar que ninguém a tinha visto.
Respirou fundo e avançou, agora mais confiante. No rosto que se escondia sob uma maquilhagem carregada pintava-se agora um sorriso.


Atravessou o pátio, cruzando os arcos, entrou na sala de pedra, pequena e escura, e sentou-se. Só aí Valentina pegou no papel, desdobrou-o com cuidado. Um sorriso iluminou os olhos de um verde que contrastava com o escarlate provocante dos lábios.  Acomodou-se na cadeira e esperou.

Já perto do fim do dia, ao pátio deserto chegou uma sombra longa. Avançou sem hesitações, passou pelo  primeiro poço, pelo segundo e, como Valentina, tacteou o rebordo em busca do que já não estava lá.
Sorriu, endireitou as costas, passou pelos arcos, tirou o chapéu de marinheiro e entrou na sala pequena e escura.


 (tarefa: introduzir Corto em Veneza e incluir a senhora de uma galeria de arte do pátio)

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