terça-feira, agosto 14, 2012

Milagre veneziano




“Do alto desta torre...”
“Não, Margaretta, não estás na grande pirâmide do Egipto, mas na Campanille de Veneza. A frase não é essa. Deixa-te de tonterias e aproveita o espectáculo.”
Obedeço com uma piscadela de olhos, tiro a máquina fotográfica da mochila, procuro ângulos e cantos. As cadeiras amarelas da piazzetta San Marco com a ilha de San Giorgio ao fundo? Humm, agrada-me.

 
Passo as mãos e a máquina pelas grades e preparo-me para disparar. O alemão gordo que subira connosco no elevador empurra-me e, ... OMG!, a máquina salta-me das mãos e desce vertiginosamente esmagando-se no chão de pedra. Corro para o elevador, impaciente. Há fila. Grande. Vá, anda! Oh meus deus, a máquina e, mais do que ela, as fotos que lá estão.
Aqueles telhados ali, andei debaixo deles ainda ontem, na companhia de gatos e de Corto. A basílica de la Salute,a colá. Perdi os vídeos do concerto de órgão que ouvimos lá.

 
E a piazza san Marco ao lusco-fusco, a ângustia do miúdo a que deixou a bola cair no canal, ali mesmo, olha, foi mesmo naquele sítio.
Vês o ghetto lá ao fundo? Aquele telhado junto à torre inclinada? Foi aí que nos sentámos a escrever sobre a misteriosa Valentina.
Perdi tudo, tudo. Todas as minhas memórias esmagadas lá em baixo.

Saio finalmente do elevador, varro o chão com os olhos desesperados, à procura dos restos da máquina. Nada. Os ombros caem, impotentes, e nem sentem a mão que lhes toca e me estende um cartão de memória que sobressai de um puzzle de peças negras.
“É seu?”
“Obrigada, senhor, obrigada. Como se chama?”
“Eu? Marco, san Marco. Encantado.”


(Tarefa: do alto da Campanille)

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