quarta-feira, julho 30, 2008

Ankarana, entre tsingys e lémures

O planalto de Ankarana emergiu do mar há mais de cem milhões de anos e a erosão fez o seu trabalho formando as rochas cortantes e afiadas como agulhas - os tsingys. Jenita, estudante de geologia que nos serve de guia, pega numa pedra e bate com ela numa rocha para nos fazer ouvir o som metálico que, dizem alguns, deu origem à palavra "tsingy". Outros afirmam que "tsingy" significa "andar em bicos dos pés" e, na verdade, difícil é andar de outro modo sobre os cumes pontiagudos.

Mas a reserva é muito mais. Há quilómetros de rios subterrâneos que dizem povoados por vorazes crocodilos, grutas sagradas, lugar de reencontro com os antepassados, de paredes que brilham como cristal e albergam importantes colónias de morcegos.
A flora e a fauna são ricas, variadas, como o atestaram os numerosos grupos de lémures e mangustos que tivemos ocasião de observar bem perto quando, aproveitando o nosso entusiasmo fotográfico, não deixaram escapar a oportunidade de adicionar ao seu regime alimentar as mangas e bananas que tínhamos guardado para a nossa sobremesa.

segunda-feira, julho 28, 2008

Verde, branco e verde, as cores de uma bandeira

Verde, vermelho e branco, são as cores da bandeira de Madagáscar e são também as cores da região por onde andamos. Depois do verde luxuriante do parque da Montagne d'Ambre e do branco das cascatas, o ocre dos Tsingy vermelhos.
Dezassete quilómetros de uma pista complicada que nos levou mais de uma hora a percorrer, e a recompensa surge à nossa frente: um canyon espectacular, de uma terra vermelho viva onde um riacho esculpiu um verdadeiro tesouro: os tsingys!

Não são comparáveis aos de Bemaraha nem em dimensão nem em características, não terão mais de 10 metros de altura nem ocuparão sequer meio hectare mas são um mundo à parte, uma pequena jóia escondida do norte da Grande Ilha.

sábado, julho 26, 2008

Aye-aye, o rapaz do dedo mágico

Junto ao parque de Montagne d Ambre um grupo de pessoas chama a nossa atenção. Transportam um aye-aye, morto, pendurado na extremidade de um pau. Mesmo sem vida é um animal assustador: uma face vampiresca de onde sobressaem dois incisivos enormes, dedos descarnados e um deles enorme, desproporcionado e curvo, que utiliza com maestria para retirar larvas e insectos dos buracos dos troncos, para beber o leite dos cocos.
Apesar de inofensivo e protegido por se encontrar em vias de extinção, os aldeões não hesitam em o matar, não para comer mas por o considerarem arauto da morte e da desgraça, evitando assim que a maldição caia sobre a aldeia. Depois de morto é transportado para outra aldeia e finalmente entregue aos cuidados de um feiticeiro que aproveita o 3º dedo, mágico, para o bem ou para o mal.

"Os seus olhos flamejantes, perfeitamente redondos, hipnóticos, as orelhas em forma de colher mexiam em todos os sentidos como antenas parabólicas, os bigodes brancos sondavam o ar com tremores de detector enquanto as mãos negras, com dedos de uma magreza extrema, o 3º prodigiosamente alongado, batiam na casca de um ramo à medida que avançava, como um pianista executando um trecho difícil de Chopin.
Duas lâminas em bisel saiam do seu maxilar proeminente (os incisivos não cessam de crescer). Parecia o gato negro de uma bruxa de Walt Disney."
George Durrell
in, The aye-aye and I

Dois pequeno videos sobre com aye-ayes vivos: vídeo 1 (Sky News) e vídeo 2 (onde se pode ver o 3º dedo em acção).

sexta-feira, julho 25, 2008

Diego Suarez, aliás Antsiranana

E partimos à descoberta do norte...
Diego Suarez (Antsiranana), cujo nome "francês" tem origem portuguesa, é uma cidade tranquila, agradável, onde, mesmo de noite se pode deambular à vontade. Com edifícios meio abandonados dos tempos da colonização francesa, tem, como Maputo, o encanto de uma velha senhora que sabe que já foi bela.

Na sua baía, cuja beleza dizem ser apenas ultrapassada pela de Guanabara, um "pão de açúcar" de forma cónica quase perfeita elevava-se no meio de águas de um turquesa incrível. Nos arredores as muitas outras enseadas, mangais e praias de difícil acesso e águas apetecíveis e um peixe fresquíssimo grelhado num restaurante escondido operaram o milagre de nos reconciliar com a ilha.

quinta-feira, julho 24, 2008

Norte de Madagáscar - Sea, sun and sex?

O vôo que nos levou para o norte parece ter-nos deixado num outro país. Diferenças de paisagem e morfologia mas, sobretudo, de mentalidades, de modo de viver. Mais rico do que os sítios onde passámos os primeiros dias, à primeira vista parece ser difícil encontrar no norte de Madagáscar o sorriso aberto e a simpatia das gentes do oeste.
Também o turismo é bem diverso, perde a faceta meio aventurosa do sul e aposta no dolce fare niente mais adequado às ilhas paradisíacas de águas quentes. E atrai também um outro tipo de turistas, os que intencionalmente ou porque a ocasião se apresenta, procuram jovens e crianças para a satisfação sexual. Dizem a organizações que tentam combater o flagelo, que a maior parte são "Monsieur et Madame tout le monde", pessoas que chegam sem intenções mas que, desinibidos pelas férias, se deixam tentar.

No restaurante de Diego Suarez onde tivemos o nosso primeiro jantar, quase metade das mesas eram ocupadas por um homem ocidental de meia idade acompanhado por uma ou duas jovens malgaxes. Mais escondida e mais preocupante está a procura de crianças, cada vez mais novas pelo medo do HIV/SIDA, que a pobreza ou a exclusão social tornam "acessíveis". A organização Enfants du Monde é uma das que tenta lutar contra este flagelo.

Novidades

O Mochila às Costas e o seu irmão mais novo, Olhó Passarinho, passaram a incluir a indicação da última actulização do outro.
É já aqui ao lado, à direita, logo após os álbuns de fotografias.

Fotografias de Madagáscar - parte 4


Estrelas da companhia de mais um álbum de fotografias de Madagáscar são os baobás - amorosos, sagrados ou simplesmente majestosos da "allée dos baobabs" a que se juntam imagens do percurso de Morondova a Antananarivo e que, como é hábito, tanto pode ser visto aqui como na margem do blogue em Álbum de fotografias /Madagáscar - Agosto 2007.

quarta-feira, julho 23, 2008

A árvore de pernas para o ar

Representante mais conhecido da flora de Madagáscar, o baobá, ou embondeiro, é uma das atracções da ilha. Dele as populações retiram fibras para fazer roupas, cordas ou telhados, sementes para óleo ou cosméticos, frutos para um complemento nutritivo de uma alimentação pobre.

Tem um aspecto bizarro: um tronco redondo e bolboso, despido de ramos ou folhas até ao topo de onde partem alguns ramos. Dizem os malgaxes que era uma árvore como as outras mas, por ser vaidosa e estar sempre a gabar a sua magnífica folhagem, foi castigado pelos deuses, que a virou de pernas para o ar, enterrando a folhagem e deixando de fora apenas as raízes.

As seis variedades, endémicas, de baobás tomam por vezes aspectos invulgares, ou porque são enormes ou sagrados por albergarem as almas dos antepassados, ou porque crescem aos pares e entrelaçados como dois amantes...

Perto de Morondova, no centro oeste da ilha, uma sucessão de árvores imponentes perfila-se ao longo de cerca de 1 km de pista criando a "Allée des Baobabs" que ao pôr-do-sol, quando o céu passa do azul ao rosa e as sombras se alongam, ganha uma aura de magia.

Fotografias de Madagáscar - parte 3

O álbum de fotografias de Madagáscar teve mais uma actualização, agora com imagens do trajecto desde os Tsingys até Kirindy e Morondova, e que pode ser visto aqui ou na margem do blogue em Álbum de fotografias /Madagáscar - Agosto 2007

terça-feira, julho 22, 2008

Encontros imediatos

A reserva de Kirindy, a sul de Bemaraha, não mudou muito desde a minha primeira visita, em 2003. As "casas de banho" continuam abjectas, o duche é, literalmente, um balde de água fria. Lá estava a réplica de um templo sakalava e as suas esculturas demasiado explícitas para poderem ser aqui mostradas, os muitos lémures diurnos e nocturnos incluíndo o minúsculo Microcebus, 50 gramas de "gente", que nos olhava com o ar espantado de quem foi bruscamente acordado.

Mas o prato forte, porque inesperado, aconteceu não numa exploração da floresta mas à noite, no regresso de uma incursão higiénica. Ao recolher ao dormitório um vulto escuro, furtivo, chama a minha atenção. Custa-me a acreditar no que vejo: corpo atlético, a meio caminho entre o gato e o cão, uma cauda que parece não acabar, à minha frente está um fosa!

É o maior carnívoro de Madagáscar, dificílimo de encontrar em ambiente natural. Bom trepador, a sua longa cauda ajuda-o a manter o equilíbrio quando salta de árvore em árvore para caçar os lémures de que se alimenta.
Em liberdade existem menos de 2000, o que justifica a sua entrada na lista dos animais em perigo de extinção. Vê-lo foi, sem dúvida, um momento de rara sorte!

segunda-feira, julho 21, 2008

Os Grandes Tsingy - um mundo à parte

Alvorada às 5h30m para a partida para os Grandes Tsingy, uma das razões do meu regresso a Madagáscar. Comparados com os pequenos Tsingy, por onde andámos ontem, estes são outra coisa. Há que começar por colocar o arnês, aprender a técnica de prender e soltar os mosquetões com uma só mão, enquanto a outra se agarra a qualquer coisa. O caminho é muito, muito mais difícil que o da véspera. Íngreme, com muitos pontos onde é tranquilizante a segurança do arnês, subidas difíceis onde a força de braços é necessária.

Mas o piso é seguro, as rochas, apesar de cortantes, permitem um bom apoio tanto dos pés como das mãos. Subimos, trepamos como macacos, andamos por entre passagens estreitíssimas onde só cabemos de lado e sem mochila, quase que rastejamos em grutas de altura reduzida. É um percurso assombroso, com subidas e descidas a pique, com escadas na vertical, com pontes suspensas que percorremos um a um, para evitar trepidações. Magnífico! As rochas cinzentas, afiadas, envolvem-nos, desafiam o nosso equilíbrio, as nossas forças. Cada passo é estudado, a concentração é indispensável.

Nos miradouros atingimos o topo da floresta de pedra, estamos acima da superfície vasta de lâminas inzentas. Depois, uma descida impressionante leva-nos até ao solo. 70 metros de subida a pique seguida de uma descida vertiginosa. Uau! E no final, já na zona de floresta tropical que rodeia os tsingys, a recompensa do nosso primeiro lémur.

Mesmo que não houvesse outros, nem que fosse só por este dia, o regresso a Mada valeu a pena!

domingo, julho 20, 2008

Tsingy de Bemahara - Floresta de pedra

A norte do Manmbolo estende-se uma formação geológica única no mundo, a paisagem mais fascinante de Madagáscar: os Tsingy de Bemahara. Património da Humanidade desde 1990, os Tsingy são um planalto de calcário de 1500 km2 que milhares de anos de erosão pela água e pelo vento esculpiram e transformaram numa densa e caótica sucessão de gargantas profundas, passagens estreitas, grutas, picos aguçadíssimos.

Interditos a quem sofra de vertigens ou claustrofobia, bem como a pessoas de porte avantajado, os vários circuitos possíveis dividem-se entre os dos pequenos tsingy e os dos grandes tsingy. Os primeiros, mais acessíveis e que fizemos no primeiro dia, são uma espécie de iniciação, um teste à nossa capacidade de trepar, escalar, lidar com passagens estreitas, passear pelas alturas. Os segundos são "a sério", mais exigentes, mais técnicos, requerem lanternas, equipamento basico de escalada - arnês e cordas - levam-nos durante um dia inteiro por uma montanha russa de subidas e descidas por entre rochas cortantes como lâminas, pontes suspensas e cavernas escuras.
E porque as emoções foram fortes passo, no próximo post, a palavra à transcrição directa do diário de bordo escrito na noite do circuito dos Grandes Tsingy. E deixo aqui o link para o registo fotográfico, que também pode ser visto na margem do blogue em Álbum de fotografias /Madagáscar - Agosto 2007.

sábado, julho 05, 2008

Ao cair do pano...

Último acampamento quase junto ao Niger e às portas do Ténéré, o deserto dos desertos, o Sahara despede-se de nós com o pôr e o nascer do sol mais espectaculares desta viagem


Et puis il y a toujours une dernière crête de dune avant la plaine et ses graviers, un dernier bord de plateau d'où se révélera tout à coup l'immense panorama du bas pays, une dernière étape, une dernière nuitée sous les etoiles, une dernière aube, un ultime coup d'aviron avant de rendre la barque prêtée, avant le dernier acte et le rideau.
Théodore Monod

sexta-feira, julho 04, 2008

Magia...

Au Sahara la magie est partout. Elle semble incrustrée dans le sol, tapie dans les puits, infusée dans chaque chose.

Henri-Jean Hugot


quinta-feira, julho 03, 2008

Le désert semble éternel ...


Le désert semble éternel à celui qui l'habite et offre cette eternité à l'homme qui saura s'y attacher.

Manu Dayak

Manu Dayak é um dos nomes míticos associados ao Sahara. Depois de uma infância nómada no norte do Niger e de estudos de antropologia berbere feitos nos Estados Unidos e Paris, regressa ao Niger, torna-se guia do deserto e colabora com Thierry Sabine em várias edições do Paris-Dakar. Foi um dos principais chefes da revolta tuaregue e é tido como a voz que levou ao mundo a existência e sofrimento do seu povo.
Morreu num desastre de avião em Dezembro de 1995.


quarta-feira, julho 02, 2008

Carnet de la cambuse - As receitas de Corto Maltese

À boleia de Corto Maltese embarcamos pelos quatro mares numa viagem de sabores. Com ele apreciamos folhas de bananeira recheadas, frangos e borregos, deliciamo-nos com robalos, atuns, lagostas e polvos, bebericamos daiquiris e zombies, experimentamos yassa, bobotie e nfian ngond.
E os mais ousados podem mesmo saborear a irreverência de Corto nas receitas de pés de dromedário, guisado de serpente ou papagaios do mar.



Magnificamente ilustradas com aguarelas de Hugo Pratt as receitas de Michel Pièrre são complementadas pela sugestão do vinho ou bebida ideal para acompanhar cada uma a que não falta a indicação da temperatura a que o vinho deve ser servido.
Para ler, fazer, comer e chorar por mais.
Bom apetite!