sábado, julho 26, 2014

Encharcado de azul

À noite não posso dormir, estou encharcado de azul.

Tudo isto, todo este azul, toda esta frescura entra em jorro pelos olhos dentro e pela alma dentro. A tinta azul não só ondula  - estremece em pequenos grãos vivos, duma acção extraordinária, e o mundo sempre novo que me rodeia penetra-me do seu bafo e comunica-me a sua vida.

 

Nos recantos, nos buracos, nas cavidades e nas grutas fervilha a vida. A gruta dos Enxaréus abre para o mar a grande boca negra. Pedra, abóboda escura, estriada de branco com relevos bordados a preto. Pesa-lhe em cima uma montanha; em baixo na água dum azul carregado, nadam milhares de enxaréus. Naquele refúgio encontram-se às vezes mais peixes que água, tornando-a quase compacta.




Ao largo um pôr-do-sol dramático enche o horizonte, doira os bordos dos cerros e irrompe pelos interstícios caindo em feixes sobre as águas. Assisto ao desenlace deste drama mudo e extraordinário, quando ao mesmo tempo o ar se incendeia cor de cobre e na vasta solidão de estanho correm jorros de ouro fundidos.


in As Ilhas Desconhecidas, Raul Brandão

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