segunda-feira, julho 21, 2014

Ce qui embellit le désert c'est qu'il cache un puits ...*



Haroum ri-se da nossa impaciência, o querer saber se "é já ali?". Não que o caminho seja difícil; o piso irregular de rochas instáveis ondula suavemente com subidas e descidas de poucos metros e as falésias protegem-nos do calor abrasador que haveria de chegar aos 48º.
"Os europeus são sempre assim, apressados. Aproveitem o caminho e não se preocupem com o resto." E nós, calados a contragosto, desejosos de saber se estávamos longe de Archi.

As águas do guelta são o reduto de alguns crocodilos, sobreviventes dos que abundavam na zona há muitos, muitos anos. De tamanho reduzido, têm como base da alimentação excrementos dos camelos, Ocasionalmente um pássaro que se distraia a bebericar, anima-lhes a dieta.

"São poucos e é muito raro que se consigam ver." acrescentou Haroum. "Se estivermos calad..." A voz de Haroum foi abafada por um barulho surdo, constante, que nos acompanhou nas últimas centenas de metros. Em silêncio, num crescendo de tensão, embalados pela estranha música, ziguezagueamos de rocha em rocha até que, depois de uma curva, a respiração suspende-se num sorriso: ei-los, os camelos no guelta de Archi, intérpretes da nossa banda sonora!


Rastejamos até uma saliência no penhasco e sentamo-nos, as pernas a balouçar no vazio, e muitos metros abaixo o espetáculos de dezenas e dezenas de camelos que bebem ou se refrescam, dos homens que lavam roupa, que recolhem água.
Pouco mais de 1 hora demorámos nós a aqui chegar. Eles, os cameleiros e os seus ajudantes-meninos, levaram  quase 3 dias. A vida dos que ficaram no acampamento depende dos que aqui vêm com os dromedários; um atraso, um percalço no caminho, um sono mais longo, um poço seco, pode ser fatal.


Regressam sob o mesmo sol impiedoso que os acompanhou na vinda. Outros 3 dias para transportar a água fétida com que aliviarão a sede da família e dos animais que os esperam. E, no dia seguinte, tudo recomeça.

Aqui o homem não tem a veleidade de dominar a natureza, é ela que o subjuga, que lhe permite a sobrevivência. Ou não.


* Le Petit Prince, Antoine de Saint-Exupéry

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