quinta-feira, julho 20, 2006

Islândia 2000 (parte 5) - A canção do bandido


Ao quarto dia de viagem chegamos a Hveravellir, área geotermal com fumarolas e nascentes de água quente. Reduzidos, até aqui, à lavagem sumária que as torneiras ao ar livre têm possibilitado, a hipótese de um banho, mesmo que sem sabonete, é vista como a supra essência do luxo.
Dez horas de uma noite ainda muito clara. Descalços, e a tiritar de frio, percorremos as duas ou três centenas de metros que separam o nosso abrigo da piscina natural. A temperatura exterior, a fazer fé no relógio do suíço Peter, é de 8º. À nossa espera, as águas sulfurosas da "piscina", temperadas pelas de um riacho de montanha, devem rondar os trinta e muitos.

Durante duas horas ali ficamos, em banho-maria, imersos até ao pescoço, no mesmo local onde, num distante inverno do século XVIII, se aqueceu o fora-da-lei Fjalla Eyvindar, que ali se abrigou com a família.

Atravessava a Islândia um período de miséria. Sucessivos invernos invulgarmente rigorosos, a que se juntaram os não pouco frequentes tremores de terra, conduziram à morte de um quinto da população e de três quartos do gado. O roubo, em particular o roubo de comida, era considerado o mais grave dos crimes, pior que um assassínio ou uma violação.
Acusado de se apoderar de um queijo, Fjalla é banido da sociedade, proscrito. A partir de então qualquer um que o encontre tem o direito de fazer justiça pelas suas próprias mãos. Com a mulher, Halla, refugia-se no interior da ilha, tão rude e duro que poucos se atrevem a persegui-los. Para sobreviver não lhe resta outra hipótese senão a de roubar gado, aumentando, assim, a ira e o desejo de vingança dos seus conterrâneos, o que os obriga a saltitar de buraco em buraco, à medida que os perseguidores lhes descobrem o rasto.

A desolada e estéril região de Hveravellir, e uma gruta com menos de um metro de altura, foi um dos seus esconderijos. Uma canção popular islandesa descreve o momento trágico em que Halla atirou o filho recém-nascido para uma queda de água quando, num inverno particularmente duro, a comida se tornou ainda mais escassa.

1 comentário:

PJF disse...
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