terça-feira, março 27, 2007

Um adeus ao Zambeze


Ainda sob o efeito das emoções da noite partimos ao amanhecer para um safari, a pé, junto ao acampamento. Animais... não encontrámos nenhum, apenas pegadas. De elefante, pois claro, e também de hipopótamos, babuínos, hienas, rastos de cobras.
Pegadas e dejectos fornecem, a quem os saiba ler, informações preciosas. Há quanto tempo os animais passaram, quantos eram, qual o tamanho, o que comeram... E não só, pois, na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Que o digam os babuínos que desfazem os excrementos de elefante para se alimentarem das sementes que estes engolem mas não digerem.
De volta ao rio, desta vez para, num barco a motor, regressarmos ao parque de Kafue, ponto de partida da nossa expedição pelas águas do Zambeze. O rio transforma-se. A velocidade enfraquece o elo de ligação com o rio que os dias a pagaiar nos transmitiram, mas, pelo menos, podemos, agora, aproximarmo-nos dos animais e fotografá-los. E, se há dias, receávamos a presença dos hipopótamos, são agora eles que fogem, assustados com o barulho do motor.

sábado, março 17, 2007

Adivinha quem veio jantar



Na última noite de acampamento selvagem, cansados das emoções do dia, recolhemos cedo às tendas, ao som de um impressionante coro de hipopótamos. "Estão a acasalar!", esclareceu Gerard, acrescentando: "Não se atrevam a sair da zona do acampamento esta noite."

Acordo a meio da noite com barulhos, fortes, mesmo junto à entrada da tenda. Um animal, sem dúvida, mas qual? Uma daquelas espécies de javalis (phacochoerus africanus) que por aqui há? Ao meu lado a Nicole, tampões nos ouvidos para que o som dos hipopótamos não a impedisse de adormecer, nem se mexe. Hesito em sair da tenda e ver o que se passa. Mas.. e se dou de caras com o animal, seja lá ele qual fôr, e o assusto? Ná...é melhor ficar quieta e não abrir o fecho.
Os barulhos continuaram, a centímetros da tenda. O ruído de ramos e folhas fortemente agitados, um ramo que se parte, pedaços que caem sobre a tenda. Macacos a saltar de ramo em ramo? À noite?
Uma meia hora depois o acampamento regressa ao silêncio e consigo, finalmente, adormecer.

Na manhã seguinte o mistério foi desfeito. Não, não foram javalis nem macacos os visitantes nocturnos mas um enorme elefante que entrou no acampamento e estacionou frente à entrada da nossa tenda para jantar, arrancou folhas e ramos, felizmente não muito grandes, que caíram sobre a tenda, tudo diante do olhar impotente de Gerard e Chris, que à distância e em silêncio, assistiram a tudo, aterrados com a hipótese de que o ruído de um fecho ou de vozes pudesse assustar o animal e desencadear uma fuga descontrolada por entre as tendas, de resultados imprevisíveis...

domingo, março 11, 2007

Retirada estratégica

Não foi um acordar qualquer. O dia nasceu tingindo de vermelho as águas do Zambeze, envoltas num (quase) silêncio que ninguém ousou quebrar, e a que os sons da selva emprestavam uma pincelada de magia. A manhã estava ainda mais bela que a anterior, a temperatura ideal, o vento suave e, uma vez mais, de feição. Pela primeira vez, segundo o guia, soprava nas nossas costas e ajudava a navegação, já que o habitual naquela zona, era tê-lo de frente. "You lucky guys!" Indeed...
As margens desfilavam cheias de vida, de sons, de cheiros. Elefantes, hipopótamos, búfalos, aves, aldeias...



Paragem para o almoço e eis que Chris nos avisa da presença próxima de um elefante e sugere que regressemos às canoas para o irmos ver em segurança.
Surpresa! Não era um, mas vários, que se aproximavam do rio para matar a sede. O tempo parou nos minutos em que ali estivemos, em silêncio, a vê-los, mesmo pertinho, na margem. Tranquilos, imponentes, atentos à nossa presença que controlavam com um olhar para se assegurarem que não oferecíamos qualquer perigo. Mágico!
Já em solo firme e, desta vez a pé, aproximámo-nos deles, cuidadosamente e a uma distância segura. Mas a sua curiosidade foi tão grande que, em breve, éramos nós os observados e lentamente, enquanto comiam, foram-se aproximando, fechando-nos num semicírculo em torno das canoas e não nos deixaram outra hipótese que não fosse uma retirada estratégica para o rio e uma partida mais cedo do que o previsto.

quarta-feira, março 07, 2007

Mr Douglas


Um acampamento selvagem nas margens do Zambeze transforma uma ida "à casa de banho" numa quase-aventura, principalmente à noite, quando a maior parte dos animais está mais activa. Há que ter cuidado, não se afastar demasiado das tendas, estar atento ao mínimo ruído e, no caso de um encontro demasiado próximo com algum animal, a regra é "Don´t panic!" Não apontar a lanterna para o local de onde vem o som, não a acender se estiver desligada, não gritar, não fazer nada que o possa assustar e regressar ao acampamento tão discreta e lentamente quanto possível. Pois...
Mas não se parte sozinho para uma excursão fisiológica. Além do indispensável isqueiro para queimar os papéis, connosco vai Mr Douglas, a pá, que está permanente e orgulhosamente cravada no centro do acampamento e que utilizamos para ocultar os vestígios da nossa incursão. É indispensável fazê-lo, não só para manter o local visualmente limpo mas para que o odor não atraia visitantes menos simpáticos, como as hienas.

E, porque será que nas noites de acampamento selvagem ninguém sentiu necessidade de sair da tenda à noite?

domingo, março 04, 2007

Cruzeiro do Sul

Acampámos numa "quase-ilha" arenosa e com vegetação rasteira. Atrás das tendas, a curta distância, um elefante, um velho macho solitário, pastava tranquilamente enquanto algumas garças nele pousavam, indiferentes à piroga com pescadores que se aproximara para a recolha das redes.
À noite, em volta da fogueira, embalados pelos sons dos hipopótamos que nos chegavam não muito distantes, entretidos por alguns pirilampos e por um minúsculo escorpião que decidiu visitar-nos, o céu foi o tema das conversas.

Ao contrário do nosso hemisfério onde existe uma estrela, a Polar, que indica o norte, não há, abaixo do Equador, nenhuma que aponte o Sul, que fica numa zona do céu que, aos nossos olhos, parece vazia - o Saco de Carvão. O Cruzeiro do Sul e duas das estrelas mais brilhantes da Via Láctea, Alpha Centauri e Beta Centauri, dão-nos um meio de encontrar o Sul.

Adormecemos embalados pelos sons da selva, que nos pareciam cada vez mais próximos...

quinta-feira, março 01, 2007

Zâmbia - Easy on the Zambezi



É com um nó na garganta que empurramos as canoas para a água e partimos para o primeiro de três dias de aventura. "Oh my God!" exclama, sem cessar, Carla, uma das inglesas do grupo, que na véspera confessara o seu medo de estar a viver os últimos dias de vida. Mas, após as primeiras pagaiadas, o nervosismo dissipa-se, descontraímo-nos e, então sim, começa a nossa expedição pelo Zambeze.
Deslizamos suavemente ajudados pela corrente forte do rio e pela brisa morna que sopra nas nossas costas. A África desfila diante dos nossos olhos como deve ter surgido aos dos Serpa Pintos e Livingstones, pura, selvagem, intacta, longe do controle e relativa segurança dos parques nacionais.
Há aldeias, escassas, junto ao rio, onde as mulheres lavam a roupa e os miúdos, que nos acenam alegremente, tomam banho. Manadas de elefantes pastam indiferentes ao nosso cortejo.
De quando em quando um restolhar junto à margem denuncia a presença de crocodilos que não conseguimos ver.
A distância segura, que é como quem diz, a uns 20 ou 30 metros, passamos manadas de hipopótamos para quem a nossa presença não merece mais do que uma olhadela curiosa. E nem a cabeça de um deles que, de repente, se ergue nas águas a uns escassos dez metros das canoas e nos faz pagaiar com uma energia que não sabíamos ter, consegue perturbar a magia daqueles instantes.