domingo, fevereiro 25, 2007

Zâmbia - o Zambeze, de novo


Começa-se por ler e assinar uma declaração onde afirmamos estar conscientes de que a actividade que vamos iniciar é potencialmente perigosa e por indicar o nome de quem contactar em caso de acidente. Glup!
Carregamos as canoas com tendas, roupas e alimentos e logo Chris, que será chefe da nossa expedição, nos alerta para os perigos do rio, para as regras de segurança.
As águas do Zambeze estão infestadas de crocodilos e, por isso, as saídas e entradas nas canoas só podem ser feitas depois do seu aval. Mãozinhas na água quando não se está a pagaiar... ná!, que dá jeito continuar com duas.
Mas o maior perigo vem, não dos crocodilos, mas das muitas manadas de hipopótamos que cruzaremos. O hipopótamo, que nos zoos nos parece um bichinho simpático e pachorrento, ataca. E, quando o faz, seja porque se assusta, porque invadimos o seu território, por protecção das crias ou, simplesmente, porque nos atravessámos no seu caminho, fá-lo com uma violência desmesurada. Uma mísera canoa é um brinquedo para as suas poderosas mandíbulas e um humano poucas hipóteses tem de sobreviver.
Chris seguirá na frente, os seus olhos habituados a distinguir animais na mais leve turbulência. Com hipopótamos a poucos metros a regra de ouro é passar discreta e rapidamente, obedecendo cegamente às indicações gestuais que nos fôr dando. "No words, no photos, just row, row, row as fast as you can!"
Glup! Glup!

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

To see the world in a grain of sand


To see the world in a grain of sand,
And to see heaven in a wild flower,
Hold infinity in the palm of your hands,
And eternity in an hour.

William Blake
Auguries of Innocence

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Silêncio...


"Falar do deserto não será, em primeiro lugar, calarmo-nos, como ele, e prestar-lhe homenagem não com as nossas vãs tagarelices mas com o nosso silêncio?"

«Parler du désert, ne serait-ce pas, d’abord, se taire, comme lui, et lui rendre hommage non de nos vains bavardages mais de notre silence ?»

Théodore Monod

domingo, fevereiro 18, 2007

La vie Théodore

"La vie Théodore", uma canção de Alain Souchon, presta-lhe uma verdadeira homenagem. Escolhida pelo cantor e pelo projecto Douleurs Sans Frontières para ajudar as crianças doentes de todo o mundo a esquecer um pouco o seu sofrimento, pode escutá-la aqui.

E, para encerrar os posts de T. Monod, nada melhor do que lhe dar a palavra e ler os seus conselhos a quem se aventura pelo deserto.


La Vie Théodore
(Alain Souchon)

On s'ennuie tellement (x4)
Alors la nuit quand je dors
Je pars avec théodore
Dehors (x4)
Marcher dans le désert
Marcher dans les pierres
Marcher des journées entières
Marcher dans le désert
Dormir dehors
Couché sur le sable d'or
Les satellites et les météores
Dormir dehors
Il faut un minimum
Une bible, un coeur d'or
Un petit gobelet d'aluminium
Il faut un minimum
Si loin de la nature ici
Le coeur durci
On est si loin de l'air
On est si loin du vent
Si loin du grand désert
Si loin de l'océan
Alors la nuit quand je dors
Je pars avec Théodore
Dehors (x4)
Marcher dans le désert
Si loin de la nature ici
Le coeur durci
Chercheur de trésor
De brindille et de phosphore
D'amour humaine et d'effort
Chercheur de trésor
Il faut un minimum
Une bible, un coeur d'or
Un petit gobelet d'aluminium
On s'ennuie tellement (x4)

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Théodore Monod, o Senhor do Sahara

Naturalista, erudito e explorador como os grandes do século XVIII, Théodore Monod, com quem caminhámos em muitos dos post dedicados ao deserto branco, nasceu em Rouen, França, em Abril de 1902 e faleceu a 2 Novembro de 2000 depois de uma greve de fome pela abolição das armas nucleares.
Manifestou-se muito cedo o seu interesse pela natureza à sua volta: plantas, animais, rochas ou fósseis, nada escapava à sua curiosidade infantil, ao seu desejo de conhecer, de saber.

Il est toujours dans les papiers, les livres, les carnets. Pour son plaisir il copie des fragments de fables, ou les noms des animaux préhistoriques, d' après une géologie. (Livre de Théodore Monod, Fevereiro 1909)

Depois de estudos superiores em Biologia e Geologia foi colocado na Mauritânia, no Département de Pêches et Productions Coloniales, em St-Étienne. Para regressar a Paris teve de ir até Dakar, no Senegal, de camelo.
Estavam abertas as portas do deserto, que percorreu, como ninguém, de lés a lés. Milhares de quilómetros a pé, de camelo, estudando sítios e gentes, areias e animais, plantas e rochas, com o olhar apaixonado do cientista e humanista que foi. Mais de sessenta anos de explorações que terminaram no Yémen, em 1995, onde, antes de perder a visão, olhou o Sahara pela última vez, com 93 anos.

Uma vida fascinante que pode conhecer um pouco melhor aqui .

domingo, fevereiro 11, 2007

Egipto - E, na primeira oportunidade, voltas a partir...



Não, não é agradável [...] os salpicos da regurgitação do camelo, a comichão da carraça nas calças, a água salobra, a comida com areia, as noites ventosas. Os desconfortos desta vida são muitos.[...]
A paragem do meio-dia é tórrida? Este vento diabólico? Esta noite gelada? Não te queixes. Suporta. Tem paciência. Cerra os dentes. A vingança virá mais cedo ou mais tarde.
De resto conheço-te bem. Quando ela vier, essa vingança tão esperada, quando te deitares, saciado, com iguarias delicadas que não te estalaram sob os dentes, saciado com uma água incolor, sem pêlos de bode, numa cama de sibarita , sob um tecto, no quente, então, em vez de saboreares de forma duradoura a tua felicidade, muito rapidamente, assim que o grande cansaço das tuas caminhadas solitárias estiver esquecido, então começas a sentir falta das tuas rudes etapas, dos teus pés escalavrados, dos teus lábios gretados, dos teus sonos enroscado sob as estrelas.
E, na primeira oportunidade, tal como eu, voltas a partir...

Théodore Monod
in A Esmeralda dos Garamantes



Non, ce n' est pas agréable [...] les éclaboussures de régurgitat camelin, le rostre de la tique dans ta culotte, l' eau saumâtre, les gruaux sablés, les nuits venteuses. Les désagréments de cette vie sont copieux. [...]
La halte méridienne est torride? Ce vent diabolique? Cette nuit glacée? Ne te plains pas. Supporte. Patiente. Serre les dents. La revanche, tôt ou tard, viendra.
D' ailleurs, je te connais bien. Quand elle sera venue, cette vengeance tant esperée, quand tu coucheras , rassasié de mets délicats qui n' auront pas craqué sous la dent, désaltéré d' une eau incolore, sans poils de bouc, dans un lit de sybarite, sous un toit, au chaud, alors, au lieu de savourer durablement cette félicité, très vite, dès que la grosse fatigue de tes marches solitaires sera oubliée, alors tu te prendras à regretter tes rudes étapes, tes pieds écorchés, tes lèvres éclatées, tes sommeils recroquevillé sous les étoiles.
Et, à la premiére occasion, comme moi, tu repartiras...

Théodore Monod
in L' Émeraude des Garamanthes

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Egipto - O deserto é uma lição


Mas a grande lição do deserto continua a ser a paciência, a humildade, a submissão à realidade, benéfico exercício para um orgulhoso primata, demasiado tentado a considerar-se o centro do mundo e o rei da criação. [...] Aqui, no deserto, não se comanda, obedece-se: este poço está aqui e não ali e o seguinte está a 650 quilómetros, nem mais nem menos, é pegar ou largar meu bom amigo: se isto não lhe agrada, não vá lá, fique em casa a ver TV ou a ler policiais, mas, se entrar no Sahara, então entre no jogo e aceite ver o seu pueril orgulho ridicularizado pela areia, pelos espinhos ou pelas pedras, pelo vento, pelo frio e pelo sol.

Théodore Monod
in A Esmeralda dos Garamantes



Mais la grande leçon du désert c' est encore la patience, l' humilité, la soumission au réel, bénéfique exercice pour un orgueilleux primate, trop tenté a se prendre pour le centre du monde et le roi de la création.[...] Ici, au désert, on ne commande pas, on obtempère: ce puits est ici et non là, et le suivant est 650 quilomètres plus loin, pas un de moins, c' est à prendre ou à laisser, mon bon ami: si ça ne vous plait pas, n' y allez point, restez chez vous, à regarder la "télé" ou à lire des policiers, mais si vous "entrez" au Sahara, alors, jouez le jeu et acceptez de voir votre puéril orgueil bafoué par le sable, l' épine ou le caillou, le vent, le froid et le soleil.

Théodore Monod
in L' Émeraude des Garamanthes

Egipto - Acampamento




Ei-lo por fim descoberto, esse pequeno paraíso de uma noite. Apressamos o andamento nos últimos passos e depois, de súbito, é a paragem, a descarga dos camelos: depois do longo dia, do seu calor, das suas misérias, eis a grande pacificação.[...] É verdade que amanhã é preciso recomeçar, muito cedo, a caminhada. Não o ignoramos mas queremos um instante, esquecê-lo para nos entregarmos totalmente às volúpias indescritíveis da hora: os músculos esgotados reencontram o fraternal contacto da areia, dentro de instantes o chá-xarope virá deleitar o nosso cansaço e depois iremos poder, por algumas horas, viver num sítio, viver – grande maravilha – imóvel, isto é, ler, escrever e sobretudo não fazer nada; olhar, escutar, esperar, ver a noite cair sobre a imensidão vazia, e devorar as dunas e os fiéis cortejos celestes empreenderem a sua caminhada quotidiana: é a tua vez Antares, é a tua vez Sirius, caminha, caminha, eu paro.

Théodore Monod
in A Esmeralda dos Garamantes




Le voici découvert enfin, ce petit paradis d' un soir. On presse l' allure pour les derniers pas et puis, c' est, tout soucain, l' arrêt, le baraquage: après la longue journee, sa chaleur, ses misères, voici le grand apaisement.[...] Sans doute faudra-t-il reprendre demain, bientôt, la marche. On ne l' ignore pas, mais on veut, un moment, oublier pour se livrer tout entier aux voluptés indicibles de l' heure: les muscles recrus retrouvent le fraternel contact du sable, dans un instant le thé-sirop viendra réjouir nos fatigues, et puis on va pouvoir, quelques heures, vivre sur place, vivre – belle merveille – immobile, c' est a dire lire, écrire et, surtout, ne rien faire: regarder, écouter, attendre, voir se refermer la nuit sur l' immensité vide, les ombres deegringoler des falaises et dévorer les dunes et les fidèles cortèges célestes entreprendre leur quotidienne étape: Antarès, à ton tour, Sirius, marche, marche, moi je m' arrête.

Théodore Monod
in L Émeraude des Garamanthes

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Egipto - O deserto a pé


É a pé que se sente verdadeiramente o deserto! Sozinhos, longe dos companheiros, imersos numa paisagem irreal, envolvidos por um silêncio tranquilizador, somos insignificantes, um minúsculo ponto num imenso mar de areia. Tudo ganha uma nova dimensão, pormenores que, de outro modo, passariam despercebidos, ganham estatuto de vedeta: a pedrita com uma forma peculiar, a ponta de sílex ou o pedaço de casca de ovo de avestruz – vestígios de outras épocas – a rocha que a acção dos elementos rendilhou, as areais douradas ou ocres onde o vento deixou a sua impressão digital...
As dunas que subimos com esforço, quando as pernas acusam o cansaço dos muitos quilómetros de marcha, quando os 4 ou 5 quilos da mochila se tornam insuportáveis...
E é também, e, talvez, essencialmente, um convite à reflexão, um mergulho ao interior de nós próprios.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Egipto - Théodore Monod não conheceu a Christianne



O problema da leitura num camelo continua sem solução prática. E é pena, pois os enormes ócios do mearista [...] bem mereciam conseguir uma melhor utilização do tempo do que pensar na suavidade nocturna, nas analépticas virtudes do chá dessa noite ou em qualquer impossível limonada gelada. Ora, é demasiado evidente que os editores nunca pensaram senão em leitores imóveis, que não se dobram ao meio uma vez em cada metro, mil vezes por quilómetro, quarenta mil vezes por dia e, ainda mais, empoleirados no alto por vezes perigosamente ventoso de um veículo de ritmado e brutal balanço.


Théodore Monod
in A Esmeralda dos Garamantes



Le problème de la lecture à dos de chameau demeure sans solution pratique. Et c' est dommage car les énormes loisirs du méhariste [...] méritaient bien de connaître un plus utile emploi du temps que de songer à la douceur de la nuit, aux analeptiques vertus du thé de ce soir, ou à quelque impossible citronnade glacée. Or, il n' est que trop évident que les éditeurs n' ont jamais songé qu' à des lecteurs plus ou moins immobiles, non pliés en deux une fois par mètre, 1000 fois par kilomètre, 40000 fois par jour et davantage, perchés au sommet souvent redoutablement venteux d'un véhicule au rythmique et brutal tangage.

Théodore Monod
in L'Émeraude des Garamanthes