Surgiram, como num sonho, no alto da duna, meio escondidos pela névoa de areia que os seus pés levantavam. Desceram lentamente para o vale, seguindo a pista quase invisível. À testa da caravana vinham os homens, envoltos nos seus mantos de lã e com os rostos dissimulados no véu azul. Com eles caminhavam dois ou três dromedários, seguidos pelas cabras e pelos carneiros espicaçados pelos rapazes. As mulheres fechavam o cortejo. Eram silhuetas pesadas, embaraçadas nos pesados mantos, em que a pele dos braços e das testas parecia ainda mais escura nos véus côr de anil. Andavam sem ruído na areia, devagar, sem olhar para onde iam.
e as últimas:
Todas as tardes, os lábios sangrentos procuravam a frescura dos poços, a lama salobra das ribeiras alcalinas. Depois, a noite fria abraçava-os, quebrava-lhes os membros e a respiração, punha-lhes um peso na nuca. Não havia fim para a liberdade, ela era tão vasta como a extensão da terra, bela e cruel como a luz, doce como os olhos de água. Todos os dias, ao primeiro alvor, os homens livres regressavam à sua morada, lá para o Sul, onde mais ninguém sabia viver. Todos os dias, com os mesmos gestos, apagavam os vestígios das fogueiras, enterravam os seus excrementos. Voltados para o deserto, faziam a sua oração sem palavras. Como num sonho, iam-se embora, desapareciam.
Ontem, ao final do dia em que o Nobel da Literatura de 2008 foi anunciado, o laureado, Jean-Marie Clézio, era apenas mais um desconhecido na FNAC do Chiado.
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