sábado, junho 28, 2014

Chega de saudade*

Será a saudade do deserto razão bastante para justificar uma viagem ao Chade? Claro que sim!
Façamos então ouvidos de mercador à diplomacia portuguesa que desaconselha qualquer deslocação não essencial e partamos para o Ennedi, classificado como "zona instável, sujeita a atos de violência, onde a quantidade de minas constitui um perigo permanente".

 
O governo francês vai mais longe dizendo que só razões imperativas podem justificar uma incursão no Ennedi, região que considera como corredor de passagem para os grupos armados do Mali, rota de tráfico de armas, droga e álcool. E continua, salientando o acesso difícil, a ausência de estruturas rodoviárias, sanitárias e médicas. No caso de uma viagem estritamente necessária é obrigatório o enquadramento por veículos de segurança chadianos que incluam uma equipa médica. Termina com o aviso de que o governo francês não se responsabiliza pela segurança dos gauleses do Chade.

Partimos por nossa conta e risco, enquadrados pela única agência francesa que desafia as autoridades e assegura os vôos de Marselha para Faya Largeau, no norte do Chade.


Sejamos realistas. Sabemos que nos espera um Sahara mais duro que o habitual, um país que abre incipientemente as portas ao turismo tentando aproveitar as que se fecharam na Argélia, na Líbia, Níger, Mali... Mas, precisamente por isso, há da parte do governo do Chade um forte empenho em que nada ensombre a vinda dos grupos que se aventuram pelo "seu" deserto.

Sinais de guerra vimo-los quase todos os dias - os tanques abandonados, os obuses semi-enterrados na areia, as placas a assinalar zonas minadas. (E esta, que pisamos agora, não estará?) A falta de cuidados médicos sentimo-la nas primeiras horas da viagem quando o guia nos pediu desinfetante e pensos para tratar o dedo que a cozinheira cortara. É básico, mas não há.


As refeições foram, dia após dia, uma base de arroz ou cuscus salpicada por um molho onde nadavam algumas sardinhas ou atum de conserva.

Mas o resto, o resto é o deserto. As pastilhas para purificar a água esverdeada, a higiene sumária, o calor asfixiante; e as noites ao relento sob um céu de milhões de estrelas, as paisagens fabulosas que nos esgotavam os adjetivos.


Chega de saudade, Tom Jobim


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