sábado, outubro 23, 2010

Kimberley é só garganta(s)!

Da região de Kimberley não se pode dizer que seja um coração aberto, pelo contrário. Duro, empedernido, inacessível na sua maior parte, esconde-se em montanhas pedregosas que só as gargantas, brechas que os rios rasgaram na rocha, criaram recantos que terminam numa piscina natural e uma cascata para, de novo, impedirem qualquer progresso. Percorremos algumas, das centenas que devem existir.

Na sagrada Windjana sentámo-nos entre paredes vermelhas e negras, no areal junto ao lago, a ver a noite cair tranquila, sob o olhar atento de alguns inofensivos freskies.

Nas Bell derrapámos (e caímos) nas lajes que a chuva tornou perigosamente escorregadias, subimos e descemos colinas, vimos árvores de folhas "sogra-e-genro" e formigas de abdómen verde.

Nas Galvin atravessámos um carreiro de floresta para chegar às pinturas aborígenes que representavam o espírito que traz a chuva.

Nas Chamberlain, já no parque de El Questro, embarcámos num batelão que nos levou por entre falésias douradas e nos fez descobrir os "7 spots archers", peixes que se habituaram a apanhar os insectos lançando um poderoso jacto de água.

Nas pedregosas Emma pusemos os pés sobre as marcas que o fluxo das águas deixou sobre lajes milenárias, deliciámo-nos com os reflexos das falésias iluminadas.

Nas El Questro lutámos com passagens complicadas, escorregámos nas pedras que rolavam sob as nossas botas.


Em todas elas atravessámos rios sobre pedras em equilíbrio instável, trepámos rochas, saltámos pedras e chegámos ao fim certos de merecer o banho, por vezes fresco, por vezes frio, que aliviava os músculos desfeitos pelo esforço.

segunda-feira, outubro 18, 2010

Pegadas lusas

O campeonato do mundo de futebol não desperta o interesse dos australianos que preferem o rugby e o cricket. E, ao contrário do que sucede em boa parte do mundo, a referência a Portugal não tem como reacção pavloviana o nome de Cristiano Ronaldo.

Mas isso não significa que a pátria lusa passe desapercebida. Depois de dias no isolamento do outback chegamos a essas espécies de micro-oásis de civilização que são as road stations e mal acredito no que vejo. A foto de cores alegres que enche meia página de um dos jornais é-me familiar, muito familiar, mas ... mas, sim, é o Palácio da Pena que sobressai enorme na reportagem de duas páginas dedicadas ao turismo em Portugal.

Em Darwin cruzei-me com o Nando's, a cadeia de frango de churrasco e saladas que já tinha visto no Malawi e na África do Sul. Na zona de Cape York conheci John, que passeava um pólo, recordação de um torneio de golfe em greens portugueses; e Marilyn que me assegurou que o pai, historiador, tinha argumentos fortes que sustentavam que fomos "nós" os primeiros europeus a tocar solo australiano. E que em Sidney há mesmo uma semana portuguesa que celebra o feito e conta com a presença do cônsul português.

Invariavelmente o nome de Portugal provocava no meu interlocutor um arregalar de olhos genuinamente feliz, acompanhado de expressões do tipo "Uau! Portugal!" Nunca percebi o porquê deste espanto, até porque a conversa sobre o país parava de imediato.

Mas houve um caso diferente, o dia em que Ron olhou para mim com estranheza, como quem olha para um ser bizarro e, num tom sério e pausado, disse:
"Acho que nunca tinha visto ninguém de Portugal."


sexta-feira, outubro 15, 2010

Lagartices

Russel já tinha dito que os havia por perto do sítio onde colocámos as tendas mas que, se não nos aproximássemos demasiado, não havia problema. Fê-lo com aquele ar desprendido com que os australianos tratam estas coisas: “Uma taipan? (que é “só” a cobra mais mortífera que Deus colocou no planeta) Não há crise, se se cruzarem com uma mantenham-se quietos e deixem-na passar calmamente junto aos vossos pés.” E pensam com os seus botões que “lá estão os europeus a preocuparem-se com insignificâncias.”

Não sendo um genuíno dragão de Komodo nem exalando o cheiro pestilento que caracteriza o outro, o perentie que se passeava pelo nosso acampamento não deixava de ser impressionante. Confesso que me arrepiei quando, num momento de pausa após o almoço, o vi a pouco mais de um metro, entre as tendas, à procura de algum resto comestível.

Mas pelos vistos eu não encaixava nessa categoria e a lagartixa gigante, que devia ter mais de 2 metros, continuou a sua procura indiferente à perseguição fotográfica que lhe fiz.

Foi só à noite quando recolhemos às tendas, cansados das caminhadas pelas gargantas e terminado o serão à volta da fogueira que Russel, desta vez com um ar preocupado, nos levou a pensar de novo no réptil:

“Eles não fazem mal mas, mesmo assim, se saírem da tenda à noite, tenham cuidado, levem lanterna, não vão esbarrar com algum.”