terça-feira, julho 30, 2013

H2 Olland


 São 165 canais, um feixe retorcido de 75 quilómetros, desenhados como caracteres chineses que se enroscam em torno das casas medievais. A cidade esmera-se na sua manutenção; a água é renovada várias vezes por semana, os barcos-do-lixo ocupam-se regularmente da recolha de detritos e das muitas bicicletas caídas ou atiradas à água. (ver aqui)

Páre-se um pouco numa das 1400 pontes, verdadeiras anilhas que seguram os canais. Apoiados varadim, podem passar-se horas a observar os patos e garças que fizeram dos canais a sua casa, a ver os barcos turísticos ou privados, a olhar a animação das esplanadas, as casas-barco a balouçar embaladas pela ondulação, ou simplesmente a assistir ao pôr-do-sol junto à icónica ponte Magere , pano de fundo de tantas fotografias de casamento.


Anoitece e casas, canais e pontes enfeitam-se de luzes como se de um presépio de tratasse. É tempo de dizer adeus a esta cidade de contrastes, livre e regrada,  onde as coffeshops apresentam um menu cheio de drogas leves e cogumelos mas não servem uma gota de álcool, onde, à noite, o sexo é permitido no principal parque da cidade desde que os preservativos não sejam deixados ao abandono, onde a água  e a terra se misturam numa simbiose perfeita.


Fechemos a porta pela mão de Cees Nooteboom:

This is my city, a token for the initiated. She will never fully reveal herself to the outsider who does not know her langauge and her history, because it is precisely langauge and names thar are the keepers of secret moods, secret places, secret memories. Open city, closed city. One city for us, one city for the others. A city on the water, a city of people, devised and written by man and water. A city of all times, and a city of time. A city that exists twuice, visible and invisible, of stone and wood and water and glass and also of something that cannot be named in words.

sexta-feira, julho 26, 2013

O vermelho e o negro


Ainda os olhos não se habituaram à diferença de luminosidade e já ao cérebro é pedida uma adaptação bem maior. Sai-se da Oude Kerk pisando as lajes onde repousa a fina-flor de Amesterdão, deixa-se o ambiente escuro e respeitável e, mesmo junto à porta principal, os pés quase esmagam a escultura em bronze que se destaca das pedras da calçada. Uma mão e um seio. Não se sabe quem a fez mas por lá ficou, numa homenagem às prostitutas da cidade.

 

Vira-se à direita, cumprimentando a estátua da prostituta Belle (encaixotada para recuperação aquando da minha visita), dão-se meia dúzia de passos e, paredes meias com as vetustas paredes sagradas, estão as janelas decoradas com veludos e rendas, luzes e vermelhos, onde meninas de várias idades, raças, formas e até género, tentam aliciar clientes.
Estamos em pleno Rossebuurt, o Bairro Vermelho, que, ao contrário do que se possa supor, não é uma zona da cidade a evitar. As ruas são animadas mas seguras, o policiamento é discretamente eficaz. Locais, turistas curiosos, adolescentes em fase de afirmação, homens de meia idade em crise de identidade, famílias inteiras... todos passam por lá.  Há bares históricos, restaurantes animados; ao lado de uma inocente padaria uma loja de preservativos expôe-os na montra, coloridos, com bonecos ou animais. Nas casas de recordações chocolates de formas... huumm, peculiares, partilham o espaço com postais, tamancos, porta-chaves e bibelots, também eles por vezes ... huumm...
Mais adiante uma boneca insuflável anima uma montra de torradeiras, cafeteiras e outros domésticos.

 

As meninas estão registadas e até têm um botão de emergência para contactar as autoridades caso algum encontro corra mal. Mas, convém não esquecer que prostituição é prostituição e que nas montras há vítimas do tráfico humano, trazidas ao engano, mantidas à força por uma mafia poderosa, que não hesita em promover encontros secretos envolvendo crianças.
Apesar de legais as janelas animadas e vermelhas escondem, como em todo o mundo, um outro lado, bem negro.

segunda-feira, julho 22, 2013

Dar ao pedal


São velhas, sem mudanças nem travões, são omnipresentes, são as bicicletas de Amesterdão.
Todos as usam, novos e velhos, para o trabalho ou para a ópera, para levar o filho à escola ou o cão a passear e até para atirar aos canais nas noites de desvario. De calções ou fato completo, salto alto ou havaianas, mas nunca de capacete.

As regras de circulação são as habituais, mas ninguém as cumpre. Sentido único? Pfff... Proibições? Pfff... Na bicicleta namora-se, lêem-se os títulos do jornal acabado de comprar, telefona-se, escrevem-se sms. Sempre a pedalar. 

 

No estacionamento junto à estação central, onde se amontoam 2500 velocípedes, é visível o esforço que os proprietários fazem para distinguir o seu. Um selim colorido, uma fita pendurada, uma bolsa com bonecos. Mesmo assim é frequente não se conseguir encontrar a bicicleta que se arrumou ao início do dia. Ou porque há uma centenas iguais e já-não sei-onde-é-que-a-deixei ou porque foi roubada. Em qualquer dos casos aplica-se a lei de talião, olho por olho, dente por dente, e, não encontrando a própria, sai-se com a que estiver mais à mão.
Os roubos são tão frequentes que há quem diga que, se gritarmos "Ei, essa bicicleta é minha" junto a um grupo, mais de metade foge a correr.

Bike like a local, recomendam aos turistas.  Assim seja... duas pedaladas e parto à descoberta de Amesterdão.





quinta-feira, julho 18, 2013

O turbante otomano

É à palavra turca para "turbante" que vai buscar o nome: tulipa.
Foi também turca a mão que a transformou de simples planta silvestre da Ásia central à flor que apaixonou a Europa, onde chegou por outra mão, a do embaixador dos Habsburgos no império otomano.

Sinal de riqueza, chegavam a ser dadas verdadeiras fortunas pelos bolbos mais raros, num despique de ostentação que rondava a loucura.
Existem mais de 100 variedades de tulipas e o melhor sítio para as ver é o Keukenhof, que abre as portas ao público durante as 8 semanas de floração. 

A primavera envergonhada e fria atrasou o calendário, os campos que esperava ver pintados de cor eram apenas extensões enormes de promessas. As flores concentravam-se nos pavilhões-estufa e, contrariando os meus receios, deram espetáculo, deixaram a vontade de um regresso numa primavera mais cooperante. 

domingo, julho 14, 2013

À mesa


foto: I live in a frying pan http://www.iliveinafryingpan.com/

"Uma str..., stroo..., uma coisa dessas, por favor."
Felizmente o produto é bem mais fácil de digerir do que o nome. E bem mais saboroso. São duas bolachas finas que levam no meio um recheio de caramelo. Aqui não são servidas do modo tradicional, em que o conjunto deve ser colocado sobre um copo de uma bebida quente para que o vapor aqueça a bolacha inferior e derreta o caramelo mas mantendo a bolacha superior estaladiça. A que me vendem é aquecida numa chapa mas o resultado é na mesma delicioso.

foto: I live in a frying pan http://www.iliveinafryingpan.com/ 

Se não tivesse optado por experimentar uma stroopwafel podia ter testado as poffertjes. Junte-se as pontas do indicador e do polegar e o buraco por eles formado é a medida exacta destas mini-panquecas holandesas. Fofas, polvilhadas de açúcar, mergulhadas em manteiga e servidas à dúzia.

foto: wikimedia a little tune http://www.flickr.com/photos/alittletune/) 

Come-se "gordo" em Amesterdão. As Febo, distribuidoras de colesterol, são verdadeiros restaurantes dentro de uma máquina que, a troco de uns trocos, regurgitam croquetes, hamburgueres e até guisados, quentes, prontos a comer. Fast mais fast, não há.
Nas ruas cruzo grandes cones de batatas fritas nas mãos de passantes que as envolvem em maionese, molho de maçã, amendoim,  cebola ou... todos.

Fiquemo-nos pelas provas de queijo de cabra ou vaca, velho ou novo, e ousemos o arenque cru, um filete com a espessura de um dedo, que os locais comem no melhor estilo-pelicano, deixando o peixe escorregar pela goela. Os fracos, como eu, juntam-lhe cebola crua e pão.

foto: http://insidenanabreadshead.com/
 
Faltou-me a jenever (genebra?), o gin holandês que foi criado como medicamento mas que rapidamente passou a ser a cura para outros males. Serve-se em copos em forma de tulipa, cheios até ao bordo. Se tivesse provado devia fazê-lo como os habitués, inclinando-me sobre o copo, mãos atrás das costas, para o primeiro golo. Vai ter de ficar para a próxima.

quarta-feira, julho 10, 2013

Atrás da porta

Ai..., as  portas de Amesterdão ...
O que parece ser uma entrada vulgar no bairro vermelho é uma igreja, construída para que um jovem pudesse estudar para padre, na época em que os calvinistas proibiram a religião católica. 


Ou a outra, em Kaalverstraat, a rua mais cara do Monopólio holandês, em que um papagaio e a frase "15 minutos para Deus" nos deixam passar para mais uma igreja clandestina do século 17.


Mas a surpresa maior talvez seja o Beguijnhof. Está-se numa das praças mais movimentadas da cidade, a Spui. Gente apressada, tramways, livrarias, lojas e barulho. Uma porta discreta que se empurra e entramos numa máquina do tempo. Atrás de nós o bulício do século 21, à frente o século 14, tranquilo. Um pátio ajardinado, com casas pequenas, que albergava uma congregação de mulheres solteiras ou viúvas, de boas famílias, que viviam em comunidade, as "béguines", ajudando idosos e levando uma vida religiosa sem, no entanto, fazerem votos.
 


A porta fecha-se à saída e, para o mal ou para o bem, regresso ao século 21.



sábado, julho 06, 2013

É só fachada!


 
A história parece a cópia da criação do "meu" Porto Salvo: pescadores perdidos no meio de uma tempestade, a promessa de erigir qualquer coisa no sítio onde encontrassem abrigo, blá, blá...
Apesar de nada corresponder à verdade, ajuda a dar uma pincelada de cor que fica bem nos microfones dos guias turísticos. Não tendo sido criada pelo milagre da salvação dos aflitos, foi-o por um outro milagre: o da engenharia humana.

Quem passa pelas ruas animadas talvez não se aperceba mas Amesterdão é uma cidade palafita. Milhares de edifícios assentam sobre estacas que chegam a ter 30m, o comprimento que precisam para atravessar o que já foi um pântano e atingir solo mais firme.
As casas mantém um ar medieval bem conservado, com janelas que ocupam praticamente toda a frontaria, sem cortinas, escancaradas a deixar  entrar a luz e, antigamente e talvez ainda hoje, a mostrar a opulência dos interiores.
Uma placa complementa frequentemente o nº de porta, indicando a profissão ou a origem de quem lá mora. Indispensável numa cidade medieval onde poucas eram as pessoas capazes de decifrar alfabetos e quejandos.

 

São estreitas, muito, pois os impostos dependiam da largura da fachada. A mais pequena, com apenas 2m de largura, é um empilhado de andares de 12m2 cada. Acrescente-se-lhe o espaço para a escada e o que sobra não é muito. O dia deve ser um constante sobe-e-desce entre a o quarto, casa de banho, cozinha e sala, cada um em seu piso.


Têm no topo uma roldana para levar mobília e carga aos pisos superiores. E, para impedir que os objetos batam contra a parede, toda a fachada se inclina para a frente, como se quisesse espreitar quem toca à porta.

Têm tanto para ver, as casas de Amesterdão...

terça-feira, julho 02, 2013

I AMsterdam

 

Em que cidade pensa se lhe disser a palavra "canal"? Veneza, pois claro. E se acrescentar "bicicleta"?
Espero, para bem deste post e dos que se lhe seguem, que a resposta seja Amesterdão.



É a cidade da tolerância, que acolheu de braços abertos os judeus portugueses e espanhóis do séc 16, os belgas na WW1, os húngaros na revolução de 1956. Uma tolerância regulamentada, registe-se. Legalizam-se prostituição, bordéis e drogas leves mas é proibido fumar um inocente Marlboro nas coffeshops onde se enrolam uns charros. Sacudir tapetes à janela sim, mas só às horas permitidas por lei.


Património da Unesco graças à rede de canais e casas, Amesterdão é uma cidade  medieval, bem conservada e cheia de vida: o visitante que olha o mapa, a senhora sentada à porta de casa a desfolhar o sol nas páginas de um livro, os adolescentes que saem da escola, a multidão que se aglomera à entrada de um museu, o barbeiro, os barcos que cruzam os canais, as bicicletas aos milhares, o padre, o disparar de máquinas fotográficas, as mães que deitam o olho às brincadeiras dos filhos...




segunda-feira, julho 01, 2013

Julho


Em julho abafadiço fica a abelha no cortiço



Mês de ceifa e debulha dos cereais. Terminar a colheita de batata temporã e começar a destinada à semente. No final do mês os aipos e alguns melões. Cavar as terras dos canteiros. Roçar mato para estrume. Regar ao amanhecer ou entardecer. No Crescente cobrir as cepas (etc).

in Almanaque Borda d'Água 2013