sexta-feira, março 16, 2012

Alice já não mora aqui.

 (foto: Nicole Raynaud)

Na verdade Alice nunca morou na cidade a que deu o nome. Foi o marido e superintendente dos telégrafos, Charles Todd que assim a baptizou na esperança de que a homenagem convencesse a esposa a juntar-se-lhe no desterro. Não conseguiu.

A contribuição do casal para a toponímia da  cidade estendeu-se ao rio Todd que corre em Alice Springs, embora "correr" seja uma força de expressão já que são escassos os dias do ano em que costuma ter água. Dois a quinze, dizem as estatísticas.

Correr é o que fazem os participantes da regata Henley-on-Todd. barcos artesanais sem fundo, suspensos nos ombros, perninhas de fora e lá vão eles, à laia de Flinstones, pelo leito seco fora.

(foto: Australian Native)

Em 1993, ano em que choveu mais do que o habitual, a regata conseguiu mesmo entrar no Guinness World Records  ao ter sido anulada por haver água no rio.

Alice Springs já perdeu o misticismo de outrora, já não é a cidade poeirenta e inacessível que foi, mas continua a ser um oásis que desponta do deserto com as suas luzes e ruas alcatroadas, as lojas, galerias de artes e armazéns. Alice Springs é o ponto de partida para a descoberta das belezas do centro vermelho e é também poiso de instituições importantes, como os Royal Flying Doctors, School of the Air.

Partamos, então, à descoberta de Alice.

terça-feira, março 13, 2012

Daly Waters

É preciso sair da Stuart Highway para chegar a Daly Waters mas a povoação justifica os 3 quilómetros de desvio.

Talvez haja quem saia para ver a Árvore de Stuart, um eucalipto onde John MacDouall Stuart terá gravado um "S"  numa espécie de agradecimento por ter encontrado a água que lhe permitiu continuar a desbravar o caminho até ao norte. O eucalipto ainda lá está, raquítico e seco. De qualquer modo, é bem mais visível que o famoso "S" de Stuart, cuja descoberta parece estar reservada aos visionários e aos crentes.


Outros sairão rumo à abandonada pista de aviação de Daly Waters que foi ponto de paragem da corrida aérea Londres - Sidney e base dos aviões aliados na 2ª guerra mundial.

Mas o que leva a maior parte dos viajantes a abandonar a Stuart Highway é daly Waters elle-même. O povoado resume-se em meia dúzia de casas, um parque de campismo de ar pouco convidativo e um pub. O mais antigo da Austrália, boa comida, cerveja gelada e uma decoração que roça o surreal.


Junto à entrada, onde se joga bowling com calhaus, um semáforo sempre vermelho auto-denomina-se o mais remoto do país. Lá dentro é difícil descobrir o balcão do bar, que se esconde atrás de t-shirts, cuecas, bonés, soutiens, notas, latas ferrugentas, selas, retretes, uma árvore feita de chinelas, uma parafernália que em qualquer outra parte seria lixo, ... E em noites especiais entra em palco o Chicken Man com o seu chapéu em forma de casa onde se empoleiram alguns galináceos.


Daly Waters podia ser irreverente, mas não é, Daly Waters é kitsch, é uma homenagem ao mau gosto e é por isso mesmo, e pela cerveja fresca, que muito boa gente lá pára.


E o melhor a fazer é entrar no jogo, sorrir, tirar algumas fotografias, comer um hamburguer, beber qualquer coisa e ganhar fôlego para mais umas centenas de quilómetros pela estrada que rasga o centro vermelho.

domingo, março 11, 2012

Em frente é o rio...


Logo a seguir apareces-me pousada sobre o tejo como uma cidade a navegar. [...] Vejo-te em cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro, e até a brisa que corre me sabe a sal. Há ondas de mar aberto desenhadas nas tuas calçadas; há âncoras, há sereias.


Em frente é o rio que corre para os meridianos do paraíso. O tal Tejo de que falam os cronistas enlouquecidos, povoando-o de tritões a cavalo de golfinhos.

José Cardoso Pires, in Lisboa, Livro de Bordo