domingo, setembro 19, 2010

I will be back

O filme que vi mais repetidamente é O Paciente Inglês. Mais vezes do que a Música no Coração, o que para alguém da minha geração, é notável. Revi-o ontem ao serão, com o mesmo prazer da primeira vez. Não é tanto o filme, a história, que me atrai, mas as imagens do deserto do Sahara, que, essas sim, tocam bem fundo.

Não há sítio no mundo, dos que conheço e, penso, dos que espero vir a conhecer, que mais me emocione do que o deserto. O espaço, o silêncio, a magia da luz a brincar nas rochas, o ritmo dos sulcos que o vento desenha na areia, o esplendor dos céus de milhares de estrelas a consciência da minha insignificância.

A paixão começou, por acaso, numa noite dormida à beira de uma pista e do deserto, algures em Marrocos. Seguiu-se a Tunísia e a Argélia e a Líbia e o deserto branco do Egipto e novamente a Argélia.


Numa saborosa evocação aqui ficam imagens do filme , os relatos dos "meus" dois últimos desertos: o branco do Egipto e o vermelho da Tadrat argelina e a frase que digo para mim mesma no final de uma viagem no deserto: "I will be back."
Inshalah!


quarta-feira, setembro 08, 2010

Tunnel Creek

Está escuro como breu, a água fria chega-nos aos joelhos e nem a luz das lanternas nos deixa prever onde nos levará o próximo passo. Um splash faz-nos parar: entre gargalhadas o primeiro da fila avisa que o chão rochoso lhe fugiu debaixo dos pés e que avança agora sobre areia, com água pela cintura.
Splash, splash, splash, ... um a um, sem surpresas, deixamo-nos afundar e continuamos a marcha.

Se as luzes das lanternas fossem mais fortes veríamos com pormenor as imensas estalactites que pendem do tecto. Ou talvez víssemos alguns peixes ou crocodilos (pequenos e inofensivos, valha-nos isso) que aqui abundam. Mais do que ver, sentimos o cheiro das colónias de morcegos que fazem desta caverna a sua casa.

O sítio chama-se Tunnel Creek e foi, há mais de uma centena de anos, o esconderijo de Jandamarra, o aborígene que liderou uma longa insurreição contra a colonização europeia. Conhecia com detalhe cada recanto da região e era de tal modo hábil a esconder-se e a despistar os perseguidores que até mesmo os membros das tribos aborígenes achavam que o seu corpo era a manifestação física de um espírito que habitava as águas geladas e negras da caverna e que, por isso, seria imortal.

Enganaram-se. Após 3 anos de guerrilha, de luta pela defesa das suas terras e gentes, foi junto a Tunnel Creek que Jandamarra perdeu a vida. A sua cabeça cortada foi exibida como prova da morte e enviada, como troféu, para Inglaterra.


sábado, setembro 04, 2010

Kings of the road

Nelson já esteve em Portugal, já jogou golfe no Estoril. Do nosso país trouxe boas recordações: as gentes, a comida, o vinho verde. Más, só a irresponsabilidade que encontrou nas estradas.
Nelson, como Phil, é condutor de road-trains, os enormes camiões que, como os cangurus, fazem parte do outback australiano, e são os responsáveis pelo abastecimento das comunidades dos Territórios do Norte e da Austrália Ocidental.

Aproximam-se velozes, envoltos numa nuvem de poeira e desaparecem mergulhados em mistério. Os que circulam nas estradas e pistas públicas chegam aos 54 metros (perdão, aos 53,5 metros que o rigor australiano é para ser levado a sério) mas nas pistas privadas das grandes herdades atingem o dobro.

Para ultrapassar um deles é necessária uma recta com, pelo menos 1 km, mas os outros condutores são aconselhados a não o fazer, a segui-los a uma boa distância ou, melhor, fazer uma pausa numa road station. A deslocação de ar que provocam é tão grande que os carros pequenos encostam na beira da estrada assim que os vêem aproximar-se e cruzam os dedos para que nenhuma das pedras que projectam lhes esmague o pára-brisas.
Diz-se que os condutores destes monstros se alimentam de anfetaminas, que só assim aguentam vários dias sem dormir, quem sem elas a Austrália ficaria paralisada.

Mas são considerados os mais simpáticos e respeitadores das regras de trânsito do país.
Não admira que Nelson não tenha apreciado as estradas portuguesas.




quarta-feira, setembro 01, 2010

A estrada do bife


Uma tira vermelha e poeirenta, longa de 660 quilómetros, rasga a paisagem inóspita do Kimberley. Chama-se Gibb River Road mas os locais conhecem-na por Beef Road, por atravessar explorações de gado de dimensões inimagináveis.

À volta quase tudo é desolador: eucaliptos sem fim que se erguem numa terra seca e árida, zonas pedregosas, rios que só na época seca é possível cruzar e, mesmo assim, com cuidado.

Mas basta tomar as pequenas e difíceis pistas que nela convergem para descobrir as jóias que a tornam famosa. E vemos rios de água cristalina que serpenteiam por entre gargantas profundas, rochas de formações singulares, cascatas que nos refrescam do esforço de caminhadas exigentes.
E ficamos em silêncio diante de pinturas aborígenes de milhares de anos, que nos contam um tempo, o dos sonhos, quando não havia homens e os espíritos criaram o mundo.