domingo, março 30, 2008

Uma vinha no coração de Paris - "Clos de Montmartre"

Não são as cidades os meus espaços de eleição mas, como em tantos aspectos da vida, há excepções, e Paris é uma delas. Lá estão, claro, exposições, museus, e monumentos únicos mas é a pé, a deambular pelas ruas, que me sinto verdadeiramente bem, que fico com a ilusão de entrar um pouco na alma da cidade.
Parto ao acaso, acompanhada ou sozinha, máquina fotográfica a tiracolo, perco-me nas ruas e bairros, descubro e redescubro cantos e curiosidades. Como uma vinha a dois passos da Basílica do Sacré Coeur e da Place du Têtre.

Uma vinha a sério que se aperta em 1500 m2 de um terreno a norte da Basílica e que existe desde o século 15, altura em que produzia um vinho de fraca qualidade de tal modo diurético que se dizia que: "C' est le vin de Montmarte, qui en boit pinte pisse quarte" (Nota: as medidas pinte e quarte equivalem, respectivamente, a 67 cl e 93l).
A expansão de Paris ameaçou a vinha que foi salva em 1929 graças à dedicação do desenhador Francisque Poulbot, mas só a partir de 1996 a qualidade do vinho melhorou.
No primeiro domingo de Outubro a comunidade empenha-se nas vindimas, em ambiente de festa que inclui música e desfiles. Pela raridade, mais do que pela qualidade, as cerca de 1700 garrafas de "Clos de Montmartre" produzidas em 2007 foram vendidas a 45 euros cada.

À nossa!...

quinta-feira, março 27, 2008

Era uma vez o gigante Isoré...

Reza a lenda que Isoré, um rei mouro que governou Coimbra, atravessou os Pirinéus para tentar conquistar Paris. Pelo caminho fez uma paragem em Orléans onde ficou durante algum tempo e se entretinha a assaltar e matar os peregrinos que se dirigiam para Santiago de Compostela. Foi morto num combate com Guilherme d' Orange e enterrado no lugar onde caiu, pois era demasiado grande e pesado para que o pudessem transportar. O local passou a chamar-se Tombe d' Isoré e, mais tarde, Tombe Issoire.


A 19 de Maio de 2007 a lenda materializou-se na parede da escola infantil da Rue de la Tombe Issoire, em Paris, graças à imaginação das crianças da escola e às mãos da artista Corinne Béoust.

Ecoutez cette histoire qu’on nous a racontée
C’est l’histoire d’un géant qu’on appelait Isoré
Dans le Temps Isoré était vraiment méchant
Il passait tout son temps à tuer beaucoup de gens (bis)

Alors les gens de la ville se sont vraiment fâchés
Et puis, ils ont fini par chasser Isoré
Tout seul il est resté oh combien désolé
Alors il s’est caché dans la Grande-Vallée (bis)

Et le temps a passé, il s’est bien ennuyé
Il a réfléchi et puis s’est amendé
Il a promis juré de ne plus recommencer
Aux enfants de l’école, une lettre a envoyé

Les enfants d’Tombe-Issoire furent bien étonnés
Un jour de recevoir cette lettre démesurée
Au géant repentant appelé Isoré
Ils ont bien voulu tous donner leur amitié (bis)

Pour ne pas oublier cette histoire du passé
Sur les murs de l’école, nous l’avons dessinée
Et en bas du dessin nous sommes fiers de signer
Les enfants de l’école du géant Isoré (bis)

(cantada pelos alunos da escola no dia da inauguração)

sexta-feira, março 21, 2008

A estrela de Belém

Foi preciso um último pedaço de queijo de cabra para que Moulay nos desse a solução da adivinha: "nada" (ver post "Os meninos à volta da fogueira..." de 2 de Março).
Resolvido o enigma o céu foi, uma vez mais, o tema das conversas.
"Qual destas é a estrela do Pastor?", perguntou Véronique, a suíça. Demorei um pouco a perceber que falava do que para nos é a estrela de Belém.

"Partiram e eis que a estrela que tinham visto no Oriente ia diante deles até que, chegada sobre onde estava o menino, parou."
Mateus, 2:1-16

Não admira que Véronique não fosse capaz de a encontrar, já que o problema, bem mais complicado que a adivinha de Moulay, tem constituído um desafio para astrónomos de renome e, mesmo nos dias de hoje, está longe de solucionado e continua a entusiasmar cientistas. A polémica persiste. Um cometa, uma conjugação de planetas, uma supernova, como advogava Kepler, uma sequência destes sinais ou apenas o planeta Júpiter em conjugação com a Lua? É que Júpiter, no seu movimento retrogrado, "caminha" de leste para oeste nos céus e, depois de um breve periodo de "paragem", recomeça o movimento aparente normal "deslocando-se" nos céus de oeste para este.
Ou será que a estrela de Belém foi mesmo um milagre?

(inspirado em "O que era a Estrela de Belém?", de Nuno Crato)

quinta-feira, março 13, 2008

Ernest

À equipa tuaregue que nos acompanhava juntava-se um elemento "extra": Ernest. De aspecto muito mais modesto que os companheiros, estava ali para os ajudar, se bem que não recebesse qualquer remuneração.
Incansável, tão depressa o víamos a ajudar na cozinha como a procurar e cortar lenha para a fogueira da noite, a carregar e descarregar o material, a lavar a louça...
Mas era no contacto connosco que Ernest se revelava, realmente, único. Discreto, tímido até, sempre atento às nossas vontades, e, como se isso não bastasse, não raras foram as noites em que, apesar do cansaço, se sentava à volta da fogueira e animava o ambiente com músicas tiradas da espécie de guitarra que o acompanhava.

E no momento das despedidas deixou-nos sem fala surpreendendo-nos com uma prenda a cada um de nós: cestos, caixas forradas a papel e por si pintadas.
Ernest de DJanet ficará para sempre na nossa memória.

quinta-feira, março 06, 2008

Que me saiba perder para me encontrar

O deserto não se compadece de ninguém; endurece o corpo, esculpe a alma. É necessário suportar o calor do dia, o frio da noite, a ausência do sentido do tempo e do espaço.
Theodore Monod

Londe das paisagens verdejantes descobri no Sahara um reflexo da minha paisagem interior... Atravesso um mundo onde, por fim, o sonho coincide com a realidade.

André Chouraqui

domingo, março 02, 2008

Os meninos à volta da fogueira...

Aconchegamo-nos ao redor da fogueira para lutar contra o vento frio. Ao jantar de Natal reforçado que a agência providenciou, e que significa sopa, cuscus de legumes e ananás de lata numa "mesa" enfeitada com velas, juntamos pedaços dos nossos países distantes: figos com nozes para um sabor a Portugal, um doce coração suíço, um gaulês queijo de cabra e, surpresa!, uma garrafa de vinho tinto que nos aquece a alma.

O silêncio do deserto é quebrado com música e cantigas e Moulay, o elemento mais velho da nossa equipa touareg, entretem-nos com adivinhas:
"Melhor que o paraíso, pior que o inferno; os pobres não têm, os ricos não precisam. Se não comeres morres."
E durante alguns dias, quando tentávamos, em vão, descobrir a resposta, apenas lhe conseguimos arrancar um: "Tu cherches, tu trouves."